xxxii. espumas ao vento

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No dia que entrou oficialmente de férias, Stella fez uma lista de tudo o que deveria fazer em vinte dias de ócio. Decidida a riscar mais um item da lista, ela resolveu acordar um pouco mais cedo do que de costume para tomar café, cuidar das plantas e atravessar a cidade para visitar os pais.

Assim que realizou todo o ritual de higiene da manhã, ela vestiu um par de calça jeans de lavagem clara, um casaco cinza largo e o tênis de corrida mais confortável que tinha. Agora que não usava mais nada no rosto, além de vitamina C, protetor solar e hidratante labial, Stella levava poucos minutos para estar pronta, com as sardas visíveis, mostrando para o mundo o que sempre quis esconder.

A primeira coisa que ela fez quando chegou na casa dos pais foi pegar Amora no colo e enchê-la de beijos, atravessando todos os cômodos até alcançar a cozinha, onde a mãe de Stella tomava café com o enteado. Aparentemente, Otelo teve a mesma ideia que ela.

— A liberdade finalmente cantou? — ele debochou ao se levantar para cumprimentá-la com um abraço apertado, com seus braços fortes, de quem não a via há meses. — Estava falando com a sua mãe sobre visitar você na parte bacana da cidade qualquer dia desses. Posso? Eu sei que você odeia receber visitas.

— Se você me avisar com alguns dias de antecedência, sim — Stella deu de ombros, colocando Amora no chão contra a vontade dela para abraçar a mãe. — É muito deselegante aparecer na casa dos outros sem avisar. Eu já deixei os dois porteiros do condomínio avisados que não recebo ninguém sem aviso prévio.

— Mas eu não sou uma visita qualquer, sou seu irmão — ele rebateu com ultraje, lançando um olhar horrorizado para Patrícia, que saiu em defesa da filha.

— Você sabe como a Estella é. Ela precisa se preparar mentalmente primeiro — ela olhou para Stella com os olhos cintilantes, contente demais em vê-la para se aborrecer com qualquer outra coisa.

Com o celular em uma mão e a xícara de café com leite em outra, ele deixou as duas conversando na cozinha e foi para sala ouvir os áudios dos amigos. A mãe de Stella voltou a se sentar para terminar a xícara de café que bebia.

— Que saudade de você, filha. Parece até que a gente mora em outro estado. A última vez que a gente se viu foi no Dia das Mães. Como é que estão as coisas?

— Ai, mamãe, uma loucura — ela suspirou, puxando uma cadeira para se sentar à mesa com a mãe. — Tenho muita coisa para fazer. É muito difícil conciliar as demandas do trabalho na escola com as aulas que tenho que assistir, com as pesquisas que tenho que fazer, com os artigos que preciso escrever para cada disciplina, com as leituras que preciso fazer... É coisa demais.

— Bom, eu e o seu pai já te falamos — ela tornou a repetir. — Os seus estudos vêm em primeiro lugar. O dinheiro da bolsa não é muito, eu sei, mas estamos aqui se você precisar de ajuda para pagar o aluguel, ou comprar aquele protetor solar caro que você gosta de comprar.

Stella arquejou com a cutucada bem-humorada da mãe.

— Ei, é caro porque ele é um protetor solar multifuncional. Ele é perfeito, minha pele ama.

— Eu sei, meu amor, e a gente ama você — Patrícia sorriu com candura, beijando-a na bochecha antes de encerrar o assunto. — Bem, é isso. Se você decidir sair da escola, você sabe que seu pai e eu estamos aqui para te apoiar no que você precisar. Sempre.

— É, eu sei — Stella assentiu com um bico choroso, emocionada demais para expressar só com palavras a gratidão que a inundou de repente.

Embora se sentisse tão afastada de tudo que a cercava, na maior parte das vezes, o amor que sentia emanar dos pais era o último fio da ponte que ainda a alicerçava na terra. Ainda que duvidasse de tudo o que era, de tudo o que sentia, ela jamais duvidou uma vez sequer do quanto amava sua família.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora