vii. nesse momento, eu juro, nós somos infinitos

55 6 8
                                    

Enquanto encarava o próprio reflexo no espelho, Stella tentava decidir o que fazer com o cabelo. Ela não sabia dizer se era, de fato, uma garota bonita, mas sabia, no entanto, que podia se esforçar mais para atrair a atenção de quem ela queria. O problema de Stella era a falta de interesse em se arrumar como muitas garotas faziam — como Cacau fazia. Stella não podia negar que era naturalmente uma pessoa intolerante na hora de se vestir.

Ela não gostava de roupas que a apertavam nem de tecidos felpudos que encostavam em sua pele. Quando não estava usando o uniforme azul escuro do Colégio Integrado da América, Stella gostava de moletom para ficar em casa e roupas confortáveis para sair. Usar sutiã era sempre um martírio para Stella. Quando podia escolher, evitava calcinhas a todo custo. Não era uma grande novidade que ela tenha crescido ouvindo as constantes reclamações de familiares sobre suas inadequações e seus desvios da norma. Para Stella, tudo isso não passava de uma fase que ela logo superaria.

Quando deu a hora de se encontrar com Cacau, Stella estava uma pilha de nervos. Duas horas antes, elas tinham combinado por mensagem em qual shopping assistiriam ao filme. Por não ser de São Paulo, Cacau pediu para Stella levá-la até a Liberdade, por onde passeariam antes de ir para o Shopping Metrô Santa Cruz. Para chegar ao bairro da Liberdade, Stella precisou caminhar até a estação Artur Alvim, onde pegou o metrô da linha vermelha com sentido Barra Funda. Ela estava tão imersa nos próprios pensamentos que só se deu conta de onde estava quando ouviu o aviso sonoro:

Próxima estação: Sé, acesso à linha 1 - azul. Desembarque pelo lado esquerdo.

Stella entrou no vagão da linha azul e desceu logo na estação seguinte. Ela estava prestes a ligar para Cacau quando a viu perto das escadas rolantes, vestindo um casaco grosso de lã e botas de camurça, onde aparentava cumprimentar todas as pessoas que subiam e desciam enquanto esperava por ela. Stella se aproximou, mas não se atreveu a tocá-la. Em vez disso, disse a primeira coisa que passou pela cabeça:

— Por que é que você está cumprimentando gente que nem conhece?

Cacau virou o corpo na direção dela, sobressaltando-se ao ouvir a voz tão perto.

— Ai, que susto — ela riu, levando a mão ao coração antes de se recompor e abraçar Stella como se não se vissem há semanas. O corpo de Stella enrijeceu com o contato inesperado. — Como é bom ver um rosto conhecido e amigável. Paulistas são tão grosseiros! Essa cidade é um pesadelo...

— A gente só não sai por aí cumprimentando completos desconhecidos — Stella murmurou, incapaz de se desfazer da estranheza que a imobilizou por um longo momento.

Ela não soube dizer se era o nervosismo por estar perto de uma garota que a atraía — tão perto a ponto de sentir o cheiro de melancia, a textura suave do cabelo loiro escuro, o roçar delicado do peito de Cacau contra o dela —, ou se era somente o medo de Cacau vê-la de perto e perceber todas as falhas que Stella se esforçava em esconder.

— Como eu disse, grosseiros — ela reiterou com um arquear de ombros, deslizando as mãos pelos braços de Stella com um sorriso antes de se afastar para olhar para ela pela primeira vez. — Queria poder ver você assim mais vezes.

— Assim como? — Stella olhou para a roupa que vestia, uma calça jogger de sarja e um cardigã de tricô que havia ganhado da avó materna quando fez quinze anos.

Cacau sorriu para uma senhora japonesa que subia a escada rolante, e Stella aproveitou para apreciá-la enquanto podia, demorando-se nas pernas cobertas por uma meia-calça preta sob a saia plissada. Apesar de ser outubro e estarem na primavera, o dia havia amanhecido mais gélido do que o normal por conta da frente fria que chegou em São Paulo, e Cacau parecia sentir mais frio do que Stella.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora