xxviii. onde é que deu errado?

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No início de janeiro, quando se mudou para o apartamento de Brooklin, Stella teve a última oportunidade, dentre muitas, de desistir daquele arranjo e voltar para a casa dos pais com a cabeça erguida. Pelo menos, ela voltaria a viver com eles até terminar o doutorado, mas a ideia de retroceder era muito mais difícil de conceber do que sua atual circustância. Ela não podia se manter sozinha com a bolsa de doutorado que recebia, como também não podia ultrapassar o limite de horas semanais que dedicava à docência para complementar a renda.

A verdade era que Stella não aguentava mais o fardo da vida que levava. Enquanto as pessoas à sua volta passavam pela experiência total do ser como se nada pudesse abalá-las de fato, Stella estava a um passo de desistir de tudo, de declarar que o sonho estava morto. Nem sempre ela conseguia se esconder da percepção angustiante que tinha de si mesma. Em momentos como esses, ela não encontrava a força vital que a empurrava para frente. Mais do que isso, ela mal conseguia sair da cama quando sucumbia à melancolia.

Quando estava sozinha, Stella sentia o forte impulso de gritar a plenos pulmões, talvez assim ela se poderia se livrar do que a aprisionava. As crises de choro eram sempre intensas e brutais, mas ela seguia em frente porque não havia espaço para retroceder. Apesar de tudo, Stella resistia, e continuaria resistindo mesmo quando nada em sua vida fazia sentido.

Por isso, ainda que não pudesse descartar completamente a possibilidade de estar prestes a cair em uma bela armadilha, ela não se deixou intimidar ao se deparar com a vista magnífica do terraço da cobertura duplex de Brooklin. Ela não permitiu que o orgulho tolo a impedisse de desfrutar daquele prazer momentâneo que tornava a vida medíocre dela um pouco menos intolerável.

Logo quando entrou na cobertura pelo elevador privativo, ela se deparou com um hall de entrada espaçoso, decorado com obras de arte contemporânea e iluminação elegante. À esquerda, na sala de estar, havia uma estante repleta de livros cobrindo toda a parede. Na sala, o piso de madeira laminado refletia a luz que entrava pela porta dupla de correr, e também pelas amplas janelas, enquanto os móveis de design sofisticado pareciam ter saído de um episódio de Mulheres Ricas.

— Será que é ali que ela escolhe os brilhantes? — ela murmurou com um risinho ao se deparar com o mezanino.

— E aí, tudo certo? — ela estava tão absorta nos próprios pensamentos que não ouviu quando Daniel se aproximou.

Stella olhou para ele e assentiu devagar, sentindo-se estranhamente atordoada em um apartamento tão grande. O que ela faria com tanto espaço só para ela, e quando Brooklin voltaria para fazer companhia a ela?

— Que ótimo — ele assentiu de volta, sorrindo não só com os lábios, mas com os olhos também. — Bom, eu deixei as caixas mais pesadas no seu quarto. Se precisar de mais alguma coisa é só me avisar.

Ele olhou para o relógio no pulso, ensaiando uma despedida, mas antes de se virar para ir buscar a filha, ele pareceu se lembrar.

— Ah, e a Brooklin me deixou encarregado de passar aqui duas ou três vezes por mês para recolher as contas a serem pagas, então a gente vai se ver com mais frequência, mas não se preocupa que eu aviso quando estiver a caminho para não pegar você desprevenida.

— Você é a pessoa de confiança dela — Stella comentou enquanto analisava a postura ereta, o semblante pacato, do ex-marido de Helena. — É você que resolve tudo para ela então?

— Sim, sou eu — ele confirmou com um aceno de cabeça. — Se precisar de qualquer coisa, já sabe.

Àquela altura, ela se sentia tão à vontade com Daniel que não pensou duas vezes antes de externar suas desconfianças para quem ela considerava um amigo.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora