ix. o que você precisa é de um retoque total

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Stella quase não sentiu o fim de semana passar. Esteve indisposta e assim permaneceu até quarta-feira, quando os ânimos foram lentamente revigorados com a proximidade das férias de dezembro. A verdade era que Stella já estava farta do ensino médio e não via a hora de virar a página para o próximo capítulo de sua vida. Ela precisava de uma mudança de cenário para poder ser diferente, afinal, a estrela que havia dentro dela estava pronta para brilhar.

Há quase uma semana sem falar com Cacau, Stella foi tomada por um desconforto no peito forte o bastante para abatê-la. Talvez era o primeiro sinal de que estava infartando. Como uma futura cientista, Stella sabia que os sintomas de infarto em homens e mulheres eram diferentes, e também sabia que era muito nova para ter um infarto. O que ela sentia, segundo as pesquisas feitas na internet, era o que pessoas sentimentais chamavam de saudade — e como ela sentia.

Depois da aula de espanhol na sexta-feira, em vez de ir para a biblioteca como sempre fazia, Stella decidiu assistir ao ensaio da peça Otelo, o Mouro de Veneza. O teatro, cujo palco era revestido de madeira, tinha capacidade para trezentas e cinquenta pessoas. Atrás da plateia, com uma janela de vidro voltada para o palco, ficava a cabine de luz e de som de onde o professor Adamastor e seus assistentes, que também eram seus alunos, controlavam a música e as luzes.

Stella subiu as escadas do corredor entre as poltronas vermelhas e parou de repente quando viu que havia alguém na fileira que ela escolheu sentar. Ela considerou sair à francesa, mas percebeu que aquela seria uma atitude grosseira e infantil. Assim que se sentou, Stella teve a sensação de estar em uma sala de cinema. O cheiro de cigarro, no entanto, fez o nariz de Stella pinicar.

— Que faz aqui? — ela tentou soar despretensiosa, mas não pôde evitar torcer o nariz de um lado para outro com uma careta.

— O que você faz aqui? — Brooklin retrucou com má vontade, encarando Stella como se ela fosse uma intrusa. — Se começar a me insultar, eu chuto você para fora daqui, estou te avisando.

— Que agressiva — ela murmurou distraidamente, os olhos fixos para o palco cujo cenário estava sendo montado a todo vapor.

De vez em quando, o professor Adamastor gritava alguns comandos da cabine, o que fazia Stella abominá-lo.

— Nossa, mas que homem insuportável — ela bufou com irritação, esquecendo-se de Brooklin por um momento até se voltar para ela com uma indagação: — Como você consegue ficar aqui com esse cara mala gritando o tempo inteiro? Se você quer se isolar, a biblioteca é muito melhor. Ninguém vai ficar berrando no seu ouvido.

Brooklin deu de ombros, mas respondeu mesmo assim.

— Às vezes, a gritaria é melhor do que o completo silêncio.

Stella olhou para ela e a observou por um instante. Apesar do incômodo de vê-la com os pés apoiados na poltrona da frente, ela sentiu a garganta contrair com a terrível melancolia que tomava a forma de Brooklin. Stella sentiu um pesar tão profundo que a fez lacrimejar, mas nada disse a respeito. Brooklin dificilmente precisaria da compaixão de quem ela mal tolerava, e Stella se sentia aliviada por não precisar consolá-la. Elas ficaram em silêncio enquanto o ensaio não começava. Caracterizados como Desdêmona e Iago, Cacau e Igor saíram por detrás das cortinas com as folhas de suas falas nas mãos.

Brooklin colocou um pé sobre o outro, suspirando o seguinte comentário:

— Entram Bianca e Cássio.

— Não, eles são Desdêmona e Iago — Stella a corrigiu. — Bianca e Cássio são amantes.

— Exatamente — ela insistiu com os olhos azuis sobre os dela. — Neste momento um bode velho e preto cobre a sua ovelhinha.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora