xxxi. a proposta

52 6 20
                                    

Stella aproveitou seu primeiro dia de férias para cuidar de algumas tarefas domésticas. Embora não tivesse nada programado durante todo o dia, ela acordou cedo e decidiu que seria produtiva de outra forma. Como fazia toda manhã desde que começou o tratamento psiquiátrico, ela tomou os remédios que o psiquiatra prescreveu e se aventurou pela casa vazia tal qual uma lunática, um pouco fora de si.

O dia estava ameno, relativamente tranquilo, mas o estado mental de Stella parecia deteriorar conforme as horas do dia avançavam. O sol do lado de fora brincava de se esconder atrás das nuvens, e ela estava sozinha e ociosa. Para vencer a inquietude, ela limpou a geladeira e os armários — rezando para não encontrar uma barata cujo líquido branco da vida a levaria a mais uma crise existencial —, encerou o piso laminado e tirou o pó dos móveis.

Por um momento, ela encarou a estante e considerou reorganizar os livros de Brooklin em ordem alfabética, mirando uma edição antiga de A Paixão Segundo G.H., que Brooklin trouxe de Nova Iorque, com um riso obsceno entalado na garganta, com uma vontade de rir e gritar ao mesmo tempo, mas então chegou à terrível conclusão de que não deveria mexer no que não lhe cabia. Depois de tudo feito, ela ainda teve tempo de sair para fazer compras no final da tarde.

Quando voltou do supermercado, ela encontrou Brooklin falando ao telefone no terraço. Stella parou no meio do hall de entrada, com as mãos cheias de sacola, e a observou por um momento. O vestido longo que ela usava causou uma forte impressão em Stella, como se estivesse presa dentro de uma bolha prestes a estourar, então, de repente, era como se estivesse revivendo um momento proibido. Stella foi mais uma vez acometida por uma estranha sensação de déjà vu, e só saiu do transe quando a voz de Brooklin ecoou pela sala, puxando-a de volta à consciência.

Ela apertou os olhos, tentando dissipar a neblina que a desorientou por um momento e se agarrar ao momento para não fugir de si mesma.

— O que foi que você disse? — ela fitou Brooklin com os olhos abertos e atentos.

— Fiz uma piada, mas agora não tem mais graça com você desse jeito — ela largou o celular na mesa de centro, sem desviar a atenção de Stella, e então se aproximou devagar. — O que aconteceu? Você não parece muito bem.

Brooklin a ajudou com as sacolas, aliviando-a do peso das compras, e as largou de qualquer jeito no chão para examiná-la de perto.

— Não sei — Stella murmurou, confusa. — Me sinto estranha. Irritada, nervosa, confusa, com vontade de chorar. Acho que vou ficar doente. Ou pode ser o remédio — ao se lembrar do remédio, ela arregalou os olhos. — Meu Deus! O remédio parou de funcionar.

— Remédio, que remédio?

— De cabeça — ela se limitou a dizer, indisposta de abrir para Brooklin o manual de DSM com todos os transtornos mentais que ela tinha. — Ou pode ter sido o mercado. Eu sempre fico meio estranha quando vou no mercado.

Ela chacoalhou a cabeça, esforçando-se para se recompor e seguir com seu dia atípico.

— Eu vou guardar essas coisas e depois tomar banho.

— Não, deixa isso para lá. Eu arrumo depois — Stella foi impedida de tocar nas sacolas pelas mãos de Brooklin em seus pulsos, guiando-a até a poltrona mais próxima. — Senta um pouco aqui. Você comeu? Não vi nada fora do lugar quando eu cheguei.

— Eu não deixo nada fora do lugar — Stella reagiu ao comentário de Brooklin com uma ira repentina. — Você que faz isso. Come e deixa louça suja na pia, marcas de gordura na ilha, lixo transbordando...

— É verdade — ela admitiu, rindo da reação enérgica de Stella. — Achei que você nem reparava nessas coisas.

— Eu tenho vontade de me jogar do terraço toda vez que você faz essas aberrações.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora