xxxv. nada é orgânico

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De volta aos trabalhos, Stella se dividia entre manter as poucas aulas que ainda dava no colégio e finalizar a tese para enfim defendê-la dentro de alguns meses. Ocupada com todas as coisas que precisava dar conta em tão pouco tempo, ela afastou as preocupações relacionadas ao casamento para bem longe de sua mente por todos os meses que se seguiram desde que Brooklin viajou. Ela decidiu que só olharia para as novas circunstâncias de sua vida quando o momento de analisá-las chegasse.

Enquanto o momento não chegava, ela se concentrou em todas as coisas que demandavam sua atenção de imediato. A fase final do doutorado estava tão perto, que Stella podia sentir as vibrações do dia que teria que defender sua tese. Ela estava muito próxima de obter o título de doutora. Depois disso, ela poderia seguir fazendo o que gostava de fazer: pesquisar e produzir conhecimento.

Certo dia, enquanto estudava por meio de suas milhares de fichas, Stella foi surpreendida por uma memória que se materializou em sua mente de modo espontâneo e repentino. Ela se lembrou do dia em que Helena e Georgia se casaram, de quando, especificamente, as cartas de Drica revelaram que ela se casaria dentro de um ano. Stella havia aceitado se casar com Brooklin, mas não pelos motivos certos. Ela cogitou a ideia de procurar Drica para uma consulta, mas logo desistiu quando se deu conta de que não poderia ser honesta. Parte dela tinha medo do que as cartas tinham a dizer sobre o grande erro que estava prestes a cometer.

Em outubro, quando Brooklin retornou de Nova Iorque, Stella estava tão sobrecarregada com a iminente defesa de sua tese, que as duas mal se viram nas duas primeiras semanas em que ela estava em casa. Quando não estava no campus da Universidade de São Paulo, ela estava trabalhando. Raros eram os momentos em que não estava trancada no quarto, preparando-se exaustivamente para o grande momento.

Ela não via nem conversava com ninguém, à exceção da orientadora, com quem se comunicava por e-mail mais do que gostaria — e para quem estava enviando a tese finalizada para um último parecer quando ouviu uma leve batida na porta do quarto. Ela parou por um instante, com os olhos arregalados, até seu nome ser chamado.

Stella escancarou a porta, assustando Brooklin, cuja aparência impecável fez Stella se preocupar com a provável fisionomia de quem não dormia nem comia há dias. Ela estava tão ansiosa e eufórica, que nem mesmo os remédios para dormir estavam fazendo efeito.

— Já voltou?

Brooklin assentiu com um movimento de cabeça.

— Vovó mandou um beijo, pediu que você arrumasse um tempo para tomar chá com ela.

Stella parou no tempo por um instante, tentando se lembrar da reação correta.

— Vou... colocar na minha agenda — ela fez uma careta, mas estava tão desconectada do mundo que dificilmente alcançaria o tom adequado. — Preciso ver os meus pais também, bom você ter me lembrado.

— Posso ir também? — Brooklin perguntou com o tom de voz esperançoso. — Comprei um livro para o seu pai. Quero entregar pessoalmente.

— É, pode ser — Stella deu de ombros, pensando em enxotá-la para voltar a se concentrar em suas próprias angústias, mas Brooklin foi mais rápida.

— Você está parecendo o piu-piu maluco — ela a observou com um sorriso fraco e então, encostando o rosto no batente da porta, murmurou com certa aflição. — Não aguento mais ver você trancada dentro desse quarto, Estella. Hoje cedo, antes de sair, eu deixei uma torta de frango para você no micro-ondas e ela ainda está lá. Do mesmo jeito que deixei.

Stella piscou algumas vezes, tentando compreender o que Brooklin dizia, ao mesmo tempo em que se situava de tudo o que havia ao seu redor. Ela moveu os olhos pela camisa branca de linho que Brooklin usava por dentro da calça flare de alfaiataria azul, e Stella teve a impressão de que os olhos dela estavam ainda mais azuis.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora