xxii. este é o momento em que você corre

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Quando estava prestes a terminar o mestrado em Aconselhamento Genético, Stella precisou dar uma pausa na intensa rotina de estudo e preparação da pesquisa correspondente à dissertação. Os textos que precisava ler para as disciplinas dos três primeiros períodos eram densos o bastante para mantê-la em casa quando não estava no campus. Stella concentrava toda a energia que tinha em se tornar a geneticista brilhante que estava destinada a ser.

Ela só não conseguia resistir quando Cacau a procurava depois de meses sem qualquer tipo de comunicação entre elas — como aconteceu quando Stella fazia fichamento para a disciplina de Citogenética. Diretamente do Rio de Janeiro, Cacau ligava para ela de vez em quando para saber como ela estava, o que ela estava fazendo, o que estava estudando, e se ainda estava solteira. Como se precisasse ter certeza de que Stella continuava disponível para quando ela a quisesse de volta.

— Um dia desses você vai me perguntar isso e eu vou dizer que não — ela comentou despretensiosamente, sentindo-se cansada de repente.

Falar com Cacau era sempre o equivalente a uma breve volta na roda-gigante, divertido e emocionante no começo, enquanto ainda estava em movimento, mas que quando parava de girar ela não tinha outra escolha senão descer, então tudo o que restava era o sentimento de eterna trepidação.

— Quando isso acontecer — ela disse do outro lado da linha, soando muito mais saudável e enérgica desde a última vez que conversaram — é porque finalmente estaremos juntas outra vez. Eu vou me formar em Jornalismo aqui, vou completar três anos de sobriedade, depois vou voltar para São Paulo para me casar com você.

Stella deixou uma risada seca, quase anêmica, escapar de um lugar que parecia ser muito mais profundo do que sua garganta. Ela não acreditava mais em Cacau. Tudo o que ela dizia eram palavras vazias de sentido. Não havia mais o frescor de início nem a crença juvenil de que ela voltaria para cumprir todas as promessas que fez.

— Você vai me esperar? — ela perguntou quando Stella não emitiu qualquer comprometimento com o que havia acabado de ouvir.

— Não sei mais, Cacau — Stella suspirou, afastando de vez as fichas de Citogenética para longe de suas vistas, antes de se deitar ao lado de Amora na cama. — Eu não gosto mais de pensar nisso... Na gente. Não gosto de pensar no que poderia ter sido e não foi, na vida que podíamos estar levando agora, porque isso me deprime. Eu sempre acabo voltando para o mesmo buraco que você me deixou todos esses anos atrás.

— Eu entendo — ela reconheceu, e dessa vez parecia menos esperançosa do que antes. — Sei que fiz muita besteira, que abusei da sua confiança, da sua boa vontade, mas eu melhorei, Stella. Eu ainda amo você, ainda penso em você noite e dia, ainda sonho com o dia que estaremos juntas de novo. Esse é o tipo de amor que não vai embora tão cedo, que só tem fim quando eu tiver fim.

— Eu penso muito sobre isso — Stella riu entre lágrimas, um riso esgotado, frouxo, antes de secá-las com a ponta dos dedos. — Como ir embora de um amor que machuca tanto, se ele vive alojado dentro de mim?

— Stella — Cacau suspirou, preparando-se para rebatê-la com mais palavras vazias, mas Stella não estava mais disposta a ouvi-la daquela vez.

— Preciso desligar agora, Maria Claudia — ela se adiantou, cortando-a no meio do que estava prestes a dizer. — Tenho que revisar alguns tópicos da minha dissertação. Não tenho tempo nem energia para pensar em cenários que podem nunca acontecer. A gente se fala outra hora, se cuida.

Stella não esperou por uma resposta para encerrar a ligação. Ela não podia mais permitir que seus sentimentos por Cacau a dominasse a ponto de estagná-la como havia acontecido tantos anos atrás. Elas estavam em momentos diferentes, em cidades diferentes, e talvez Cacau estivesse certa quando afirmou, no auge de seu descontrole em decorrência da abstinência, que elas não tinham futuro.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora