xv. felicidade (é só questão de ser)

45 7 1
                                    

O evento que celebraria oficialmente o aniversário de Cacau havia sido marcado para o sábado, no Palácio Oásis, o hotel cinco-estrelas mais caro de São Paulo, e estava programado para começar no início da tarde e se estenderia até as primeiras horas da madrugada.

Como presente de aniversário, Cacau determinou que os convidados doassem agasalhos, cobertores e itens de higiene básica que seriam distribuídos para os moradores de rua. Cacau havia transformado a comemoração de seu aniversário em um grande evento beneficente para ajudar as pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Assim que chegou ao local da festa, depois de longos minutos que levou para se arrumar, Stella se deparou com uma passarela que atravessava quase todo o salão, com bistrôs e sofás espalhados em ambos os lados. Stella não ficou surpresa ao observar que a decoração, a iluminação e a música, com uma banda cover cantando Skyline Pigeon ao vivo, faziam parte do tema Victoria's Secret Fashion Show escolhido por Cacau.

Stella reconheceu Juliana e Natália do outro lado do salão de festas do hotel, onde toda a estrutura para a comemoração havia sido montada, acompanhadas por dois garotos que estudavam com Igor. Ela olhou ao redor quando ouviu um ruído se prolongar por mais tempo do que o tolerável.

— Ah, aí está ela — Igor assobiou assim que chegou perto da amiga. — Minha doce e pacata Stella.

— Que barulho é esse, de onde ele vem? — Stella tentou encontrar a origem do ruído que despertava a antiga enxaqueca que a atormentava, mas para todo lugar que olhava ela se deparava com faces vibrantes e risadas escandalosas.

— Que barulho? Não escuto barulho nenhum — ele seguiu o olhar de Stella.

— É agudo e irritante — ela murmurou, massageando a têmpora com os olhos fechados. — Parece um apito.

— Ah! — Igor bateu com a palma da mão na própria testa. — Tem umas crianças brincando com uns apitos que ganharam da galera da banda, mas elas estão lá no saguão. Como você consegue ouvir daqui?

— Porque é irritante — Stella resmungou —, e tudo que me irrita tem a mania odiosa de me perseguir.

Igor passou os braços ao redor do ombro de Stella, rindo como se o sofrimento dela fosse fonte inesgotável de entretenimento.

— Por favor, eu imploro, nunca busque ajuda psiquiátrica — ele murmurou no ouvido dela com tom jocoso e então estalou um beijo na parte de trás do cabelo dela só porque podia. Igor então se afastou para procurar ao redor. — Cadê a nossa Cacau Show? Não vejo a hora desse desfile começar. Penso muito no que seria de mim, e do mundo, se não existissem as mulheres para admirar...

Stella parou de ouvir os devaneios do amigo quando as pessoas mais próximas aos dois reagiram com entusiasmo ao refrão de Empty Garden. Ela sentiu o olho esquerdo tremer ao ser surpreendida pela sensação familiar de desconsolo. Embora não fosse uma grande fã de Elton John, ela conhecia muito bem as músicas dele, e podia dizer, com modesta propriedade, que o considerava uma espécie de cavaleiro do apocalipse que só aparecia durante as mais acentuadas crises depressivas de sua mãe. Quando não conseguia se lembrar do porquê ainda resistia, Elton John — não os filhos, não o marido, não a profissão, mas Elton John, o cantor — estava lá para lembrá-la.

— Olha ela lá — a voz grave de Igor deu um jeito de furar a bolha mental dentro da qual Stella se escondia tão frequentemente.

Perto de uma das extremidades da passarela, de onde a banda havia acabado de se retirar, Cacau conversava com as meninas do Jornal do América, e tratou logo de se desvencilhar do grupo assim que seus olhos repousaram em Stella. Naquele momento, cercada por adolescentes beberrões e adultos omissos, ela pôde respirar pela primeira vez desde que chegou. O mundo de Stella só podia girar se Cacau estivesse no centro de sua órbita, se seus olhos, fixos e inflexíveis, jamais a perdessem de vista.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora