No Final Tudo Faz Sentido

xxiii. eu não queria partir (mas você me convenceu)

Embora estivesse afastada de Cacau há pouco mais de um ano, Stella não deixava de imaginar o que ela estaria fazendo em certos momentos do dia, em quem estaria pensando, por onde — e com quem — estaria. Quantas recaídas ela tinha tido desde a última vez que conversaram? Quantas pessoas ela magoou com suas mentiras e omissões? Em que parte do Brasil ela se escondia de si mesma? Stella não podia negar que ainda a ressentia, apesar de querê-la de volta quase todos os dias, mesmo depois de sete anos desde que terminaram.

Cansada de imaginar diferentes cenários de uma vida ao lado de Cacau, Stella se forçou a deixar o passado para trás e focar no presente, no que estava em suas mãos, e isso ela podia fazer muito bem, já que estava na cidade do Rio de Janeiro para participar do simpósio de genética promovido pela UFRJ. Stella só não esperava receber uma mensagem de Cacau perguntando se ela estava no Rio.

Sim. Como você sabe?, foi a resposta que ela enviou assim que chegou ao Rio Aeroporto Hotel depois de participar do segundo dia do evento. Stella estava exausta, e tudo o que ela queria era tomar banho e descansar para as atividades do dia seguinte, mas a mensagem de Cacau havia acionado um botão de alerta em algum lugar de difícil acesso em sua mente. A resposta de Cacau esperava por ela na tela do celular assim que ela saiu do banho.

acabei de ver as fotos no instagram 
nunca deixei de acompanhar a sua vida 
mesmo que de longe

Stella leu e releu as mensagens como se precisasse ter certeza das palavras que formavam aquelas frases. Enquanto se recuperava da confissão inesperada de Cacau, ela considerou o que deveria dizer, como deveria respondê-la, mas os segundos que demorou para raciocinar foram o suficiente para que outras mensagens chegassem.

pensei bastante antes de mandar essas mensagens
e concluí que a vontade de conversar com você é bem maior do que o meu orgulho 
faz tanto tempo desde a última vez que a gente se viu 
será que a gente pode se encontrar?

Stella precisou deixar o celular de lado por um momento para acalmar o coração e controlar a ansiedade. O simples ato de imaginar um encontro com Cacau depois de tantos anos a fazia hiperventilar. Apesar de dar algumas voltas pelo quarto de hotel escuro, Stella ainda se sentia inquieta e temerosa. Ela queria encontrá-la de novo, queria tanto que mal teve forças para conter o impulso de respondê-la com o endereço do hotel onde estava hospedada, acrescentando, em seguida, que estava se preparando para jantar.

O frio na barriga de Stella se estendeu durante todos os longos minutos que esperou Cacau aparecer no restaurante perto do hotel. O coração de Stella acelerou tragicamente no momento em que colocou os olhos nela, como se estivesse prestes a cair dura no chão de terror e emoção. Ela se levantou assim que Cacau se aproximou, incerta de como cumprimentá-la — já que há tanto tempo não se tocavam —, surpreendendo-se quando foi envolvida pelos braços calorosos de Cacau como se o tempo não tivesse passado para nenhuma das duas.

Stella aproveitou aquele breve momento para aspirar o ar ao redor delas, ignorando o delicioso aroma de churrasco e pão de alho para se concentrar no cheiro de melancia que ainda predominava os cabelos longos e macios de Cacau. De repente, Stella era a mesma adolescente que um dia caiu de amores pelos olhos castanhos, que já foram tão brilhantes, mas que agora eram fundos e opacos.

Apesar de todas as mudanças físicas, exercidas pelo tempo, provocadas por hábitos e vícios, Cacau permanecia bela e aprumada, com uma saia envelope de amarrar e um cropped que deixava o novo piercing na barriga à mostra.

— Como é bom ver o seu rosto ao vivo e a cores outra vez — ela murmurou assim que se afastaram, acariciando o maxilar de Stella com a ponta dos dedos. — Você não mudou quase nada, é impressionante. Ainda tem os mesmos olhos despretensiosos, o cabelo liso, escuro, mas as sardas você escondia de mim.