xxx. o mundo é um moinho

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Com um mês de antecedência, Stella enviou um e-mail fraterno à orientadora para avisá-la de que tiraria vinte dias de férias e que, portanto, não resolveria nada enquanto estivesse em descanso. Ordens do psiquiatra. Ela estava determinada a cumprir os prazos que havia estabelecido no fim do ano anterior para diminuir a ansiedade e o gosto amargo que ser improdutiva deixava em sua boca.

Agora que estava tão perto de defender sua tese e obter o título de doutora em Ciências Biológicas, ela se sentia culpada por se afastar da pesquisa de sua vida por tanto tempo. Desde que entrou no mundo da pós-graduação, Stella não sabia o que era tirar férias de verdade, até as crises depressivas se tornarem mais frequentes, uma vez que o cronograma de tudo o que precisava fazer era longo e o tempo era curto.

Na primeira quinzena de junho, ela organizou um novo cronograma para o segundo semestre, determinando prazos e metas a serem cumpridos, sendo um deles a submissão de um artigo inédito que enviaria para o Congresso Brasileiro de Genética. Assim que terminou de definir os próximos passos, ela checou o horário na Alexa no canto da escrivaninha e se assustou ao se dar conta de que já eram três horas da manhã.

Ela olhou para os lados, cogitando o que poderia fazer para mitigar as consequências do dia seguinte enquanto guardava todo o material que usou para preencher o cronograma para o próximo semestre. Stella não gostava de passar do horário de dormir. O silêncio sepucral das madrugadas sempre mexiam com a cabeça instável dela.

Quando estava arrumando a cama para dormir, ela ouviu o barulho das portas do elevador abrirem e então fecharem. Em seguida, ouviu os passos arrastados das botas de Brooklin no chão laminado. Stella parou de repente e tentou escutar atrás da porta alguma movimentação estranha. Há alguns dias, Brooklin voltou para casa com uma pessoa diferente por três noites seguidas. O susto que Stella levou ao acordar na manhã seguinte e se deparar com um homem seminu passeando pelos corredores jamais seria esquecido.

Por isso, assim que teve certeza de que Brooklin estava sozinha — de que não havia trazido para casa um completo estranho que poderia matar as duas no meio da noite —, ela saiu do quarto e a encontrou vasculhando os armários da cozinha, cantarolando Blues da Piedade tão enrolado que Stella demorou para reconhecer a música.

— Ei, precisa de ajuda? — ela perguntou com os braços cruzados, tombando a cabeça para o lado para analisá-la.

— Não — ela chacoalhou a cabeça, mas pareceu se arrepender ao fazer uma careta de dor. — Ai, minha cabeça. Cadê a comida dessa casa?

— Esse é o armário das louças — Stella então apontou para o armário do outro lado da cozinha, onde ficavam os mantimentos. — A gente guarda comida ali.

— Ah — ela murmurou, semicerrando os olhos desfocados na direção que Stella apontou. — Verdade. Que tonta.

Em vez de ir em direção ao armário, Brooklin se sentou no chão e tentou tirar as botas com movimentos imprecisos. Ao perceber a dificuldade dela, Stella desconfiou que ela estivesse bêbada, mas esperou que ela levantasse os olhos em sua direção para confirmar suas suspeitas.

— Não consigo tirar — ela resmungou, batendo com a testa na quina do armário ao perder o equilíbrio do corpo. — Ai. Merda.

Divertindo-se com as trapalhadas de Brooklin, Stella deu uma risadinha, mas o riso logo morreu em sua garganta assim que viu a linha fina de sangue escorrer pela testa de Brooklin. Ela se aproximou tão depressa que sentiu uma leve vertigem ao abaixar para levantá-la do chão gelado. O cheiro de perfume doce misturado ao álcool fez o estômago de Stella revirar.

— Vem, deixa eu te ajudar — ela a ajudou a se sentar na banqueta, e então a orientou com a voz firme: — Fica aqui um pouco, não se mexe. Já volto.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora