XXXIII.

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#CreepersDaMina

Mina, pela primeira vez em muito tempo, não se sentiu tão estranha ao olhar aquele pedaço de vidro colado no pedaço de madeira, apelidado carinhosamente por si de "espelho só da Mina".

Aquela sensação estranha de olhar seu rosto e sentir o mesmo a incomodar apenas por existir já não era tão frequente, ou o mal estar de não conseguir olhar em seus próprios olhos refletidos naquele material que a machucava sem nem precisar encostar.

Agora conseguia. Observou com toda a calma do mundo seus olhos, lembrando-se que Momo costumava compará-los com jabuticabas, fruta que ela mesma nunca havia visto na vida. Só sabia que seus olhos escuros, quase tão negros como as tais frutas, eram o espelho de uma alma que já havia sofrido mais do que deveria sofrer.

Cada milímetro sendo varrido movido pela coragem; para muitos o simples ato de se ver no espelho todos os dias poderia ser facilmente classificado como algo banal, mais uma das atividades que fazemos sem nem perceber, movidos pelo piloto automático do cotidiano que nos tira o dom da sensibilidade. Para Mina, encarar as íris escuras e delicadas, junto com suas pupilas que agora se dilatavam se tornava aos poucos um ato de lembrar quem ela realmente era.

A Mina de verdade. A Mina que existia antes de tudo acontecer. A Mina que no fundo, bem no fundo, sempre havia sido diferente. Seu próprio mundo que havia sido abalado, destroçado e resumido ao pó quando perdeu sua mãe naquele dia.

O resto do pó que a assombrava todas as vezes que ela lembrava que havia também tirado a vida de seu pai.

Suspirou audivelmente, jogando o cabelo para trás enquanto a água fria acalmava o turbilhão de pensamentos que existiam por trás de sua pele; escutando o som das gotas que agora entravam em contato com o mármore da pia, percebeu que o mesmo  formava um ritmo que não mudava, como se estivesse escutando ali as batidas repetitivas de um coração.

Sempre havia sido muito sensível para esse tipo de coisa. Sua audição era a responsável por boa parte dos seus surtos e, prestar atenção em qualquer ruído que fosse fora do normal sempre se tornava um gatilho para suas crises. Por "sorte", agora Mina já não se incomodava tanto com o mundo que antes parecia tão agressivo, bagunçado e insensível para si. Para ser sincera, Mina sabia um dos porquês.

Sabia exatamente com o que aquilo se assemelhava. Um sorriso tímido escapou de seus lábios, lembrando-se que  as batidas do coração de Sana pareciam muito com aquele pequeno sonzinho que agradava seus ouvidos.

Já havia se acostumado a dormir com a ruiva junto de si, que possuía o cuidado de se deitar religiosamente no mesmo horário todos os dias apenas para não retirar Mina de sua rotina. Com a cabeça deitada em cima do peito da mais velha, a Myoui sempre sentia o sono bater rápido enquanto Sana a fazia sentir segura apenas pelo fato de estar viva, perto de si; sua respiração calma, o carinho que os dedos macios faziam em seus cabelos e o coração que batia sereno debaixo de seu ouvido podiam facilmente ser classificados como uma das melhores sensações do mundo para a japonesa.

Ouviu a maçaneta girar, sabendo quem era sem nem precisar se virar ou algo assim. Uma conexão que Mina não sabia de onde vinha, muito menos Sana. Elas só sabiam que precisavam estar perto uma da outra, e, se fosse possível, optariam por se fundir. Talvez já estivessem fundidas em algum ponto fundo de suas almas, explicando aquela coisa que só elas sabiam o que eram.

— Desculpa vir assim, do nada. Você demorou e eu fiquei preocupada. — A ruiva sorriu, se posicionando atrás da mais nova. — Está tudo bem?

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