05- Acho que não

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No dia seguinte fomos novamente juntas pro trabalho e houve uma situação que achei bem estranha. Ao entrarmos na nossa sala, algumas pessoas já estavam lá, inclusive Claudinha. Débora olhou pra mim com uma fisionomia tensa e pensativa, e disse:

– Se alguém perguntar, é melhor não dizer que to ficando na sua casa.

– Por que não? – Perguntei confusa.

– Uma que sou sua gerente, e outra que todo mundo sabe da minha sexualidade.

– Ta bom, não conto pra ninguém não.

Débora continuou seu caminho enquanto eu ainda pensava sobre o que havíamos acabado de falar, porque pra mim não fazia o menor sentido, ainda mais porque todos também sabiam que nós éramos amigas, independente do trabalho, e creio que o que fazemos fora da empresa não diz respeito a ninguém... embora que, na prática, geral sempre tenta se meter.

Respirei fundo, pois me sentia chateada, não com ela, mas com a ideia e a circunstância, e fui pra minha mesa. Claudinha mal me deixou sentar e já se virou pra mim, me dando bom dia, e perguntando:

– Henrique falou contigo ontem?

– Falou sim, mas eu nem respondi. – Falei sem olhá-la.

– Ué, mas por quê? – Perguntou ela surpresa.

Virei minha cadeira giratória, olhei pra ela ainda sentindo aquela chateação pelo ocorrido com Débora, e disse:

– Amiga, me desculpa, mas não to com cabeça pra pegação e a gente sabe que é isso o que ele quer. Não é assim que eu consigo esquecer alguém, não é ficando com uma pessoa nova, até porque eu ainda to bem confusa com tudo que aconteceu.

– Desculpa, Andréa, de verdade, achei que isso ia te distrair, sei lá. – Ela parecia bem sincera e isso me quebrou.

Respirei fundo de novo, pois pra mim era nítido que estava descontando nela o meu sentimento de frustração e chateação. Agora, por que eu realmente estava me sentindo daquele jeito? Essa pergunta reverberava dentro de mim, mas não tinha maturidade e paz pra conseguir encontrar uma resposta sincera.

– Desculpa também, a própria Débora me disse que talvez esse fosse apenas o seu jeito de esquecer as coisas e...

– Como assim, ela disse? – Perguntou Claudinha me interrompendo e sorrindo.

– Ué, eu comentei com ela a respeito do Henrique e ela me disse pra não ficar chateada porque pode ser seu jeito de seguir a vida, ou algo assim, e que você iria me sugerir isso e tals. Por que você ta sorrindo assim?

– Ai, Andréa, sinceramente, se tu ficar andando muito com ela daqui a pouco vão achar que você virou sapatão.

– Você sabe que eu sou bi, não sabe? – Perguntei incomodada com aquele assunto.

– Bi? Desde quando você é bi? Ah, para né! Nunca te vi falar de mulher, e outra, você namorava um homem.

– Você sabe o que é ser bi? Porque não ta parecendo, mas sinceramente, não vou debater esse assunto contigo essa hora da manhã, não.

Me levantei e fui pra copa em busca de um pouco de café. Quando se está num ambiente de trabalho, normalmente essa é sua única válvula de escape, ou seja, ou você faz isso, ou surta, então eu fiz. Me encostei na pia, da mesma maneira que havia encostado com Débora na noite anterior e essa lembrança me veio a mente.

Por um segundo olhei pro lado, como se a estivesse vendo, ao meu lado, sorrindo e me olhando. Me lembrei do que pensei, me lembrei de tê-la achado linda e me lembrei de suas mãos em meu rosto. Débora era uma ótima amiga e eu não queria olhar pra ela da maneira que Claudinha havia falado e isso me magoou... eu só não sabia o que fazer a respeito.

Segredo... ela parecia ter razão, por mais bobo que tenha me parecido, mas era isso, era melhor ninguém realmente saber que Débora estava ficando lá em casa pra depois não criarem mil histórias a respeito e não ficarem enchendo o meu saco, até porque nem psicológico pra aturar isso eu tinha.

Peguei mais um copinho de café, não porque quisesse, mas porque precisava prolongar aquele momento e aquela era a melhor forma de justificar o tempo que estava ficando fora da minha mesa. Respirei fundo e fechei os olhos. As palavras de Claudinha ainda estavam muito presentes na minha mente. Como pode alguém te irritar tanto em tão pouco tempo?

– Ta tudo bem? – Me perguntou Caio, um amigo do setor ao lado.

– Ah, sinceramente, Claudinha falou umas coisas que me chatearam, mas talvez eu é que esteja muito sensível esses dias.

– Eu soube que você terminou.

– Na verdade terminaram comigo. – Sorri, embora ainda chateada.

– Que merda, sinto muito.

– Sim, nem fala, eu queria muito estar de férias, mas nem isso dá porque ainda faltam uns seis meses pra eu poder tirar.

– É sempre assim, – Riu. – quando a gente precisa, é quando não se tem.

– Pois é. – Sorri.

– Bora marcar um gelo qualquer dia? Topa? To estressado também, acho que vai ser bom pra nós dois.

– Pode ser, a gente vê, mas essa semana eu só quero ficar quieta.

– Sem problema, semana que vem a gente vai, de qualquer forma to por aqui pro que precisar. – Nos abraçamos e eu o agradeci pelo carinho.

Como falei, ele era um amigo que trabalhava no setor ao lado do meu, e nós costumávamos conversar frequentemente, mas nunca fui muito além justamente por estar namorando e não queria dar brecha pra algo acontecer... complicado. Tudo aquilo começou a me gerar uma tristeza grande e, do nada, eu não conseguia pensar em outra pessoa além do meu ex, o estranho foi que, sem perceber, em um piscar de olhos, eu estava dentro da sala de Débora, e só me toquei quando ela perguntou:

– Ta tudo bem?

– Acho que não.


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