No final do dia, fomos pra casa em silêncio, pois aquele sentimento ainda reverberava dentro de mim sem compreensão e, por algum motivo desconhecido, eu tinha receio de contar pra Débora e ela ir embora, mas racionalmente isso não fazia o menor sentido, por isso acabava ficando ainda mais angustiada, porque não tinha o porquê contar, mas eu queria... precisava.
Chegamos e eu fui de imediato pro banho, como se fosse uma fugitiva. Pra muita gente o chuveiro é um lugar de reflexão e assim o era pra mim também. Fiquei bons minutos pensando e pensando, sem conseguir chegar em alguma definição, ou porque não houvesse uma, ou porque eu não quisesse enxergar uma, confesso.
Quando saí do banheiro, Débora estava deitada, de olhos fechados, no sofá. Por alguns instantes me senti paralisada olhando-a ali, pois parecia tão relaxada, tão tranquila, ou sei lá como poderia defini-la. Não queria realmente que nada afetasse nossa amizade, mas também não entendia o porquê aquilo o poderia fazer.
– O que você tem? – Me perguntou sem me olhar.
Era tão nítido assim o meu estado? Provavelmente sim, já que normalmente sou mais falante do que aquilo, mesmo sofrendo pelo término do meu namoro, mas desta vez eu realmente estava quieta, pensativa, ou até introspectiva, e ela percebeu, lógico, pois me conhecia melhor do que muita gente.
– Como assim? – Perguntei, tentando disfarçar.
Aquela era uma falsa ilusão, ou uma falsa esperança de que eu conseguiria despistar sobre o ocorrido, mas o problema é que a situação estava na ponta da minha língua e qualquer pensamento errado faria com que tudo fosse dito... eu foi.
– Você ta estranha. – Me olhou. – Aconteceu alguma coisa?
Respirei fundo e me sentei junto a ela, que continuava deitada e, sem olhá-la, disse:
– Caio me beijou hoje durante o almoço.
– Ah é? E você ta assim por causa disso?
– Eu não sei o porquê to assim, mas não to me sentindo bem. – A olhei no final.
Débora se sentou cruzando ambas as pernas sobre o sofá e se mantendo de frente a mim. Ela parecia calma, parecia de bem com o que revelei e não sei se isso me incomodou, mas essa parte eu não podia falar a respeito, até porque nem saberia o que dizer.
– Olha, você ta solteira, então se você gostou do beijo, não tem motivo de se sentir mal, você não traiu ninguém, caso esteja se sentindo assim por causa disso.
Será que era isso? Será que estava me sentindo assim porque passei cinco anos namorando e ainda não me sentia realmente solteira pra sair por aí beijando outras pessoas? Será que era esse o mistério e eu tava transferindo isso pra ela, como se tivéssemos algum relacionamento além da amizade?
– Você acha que pode ser isso? – Perguntei. – Porque eu realmente não sei o que to sentindo.
– Acho possível, você é meio neurótica com essas coisas e pode ser que ainda não tenha desligado suas travas, como se ainda estivesse em um relacionamento e, talvez por isso, você tenha problemas em sem relacionar com outras pessoas agora, porque ainda ta muito recente o término... é uma possibilidade, mas só você pode descobrir.
– Acho difícil que eu descubra alguma coisa. – Abaixei a cabeça com tristeza. – To mais perdida do que cego em tiroteio.
– Ta, mas a pergunta que não quer calar... você gostou?
Eu a olhei e não consegui decifrar sua fisionomia, pois nem sorria e nem estava brava, parecia bastante neutra... sei lá, enfim... respondi:
– Gostei, mas parecia errado.
– Meu anjo, não teve nada de errado e me lembro de uma vez em que você me disse que se não namorasse, você talvez ficasse afim dele.
Naquele momento me lembrei de Claudinha dizendo que nunca falo sobre mulheres e que por isso ela não validava a minha bissexualidade... tudo bem que foi com outras palavras, mas a ideia foi mais ou menos essa pra mim, então é isso, eu acho.
– Você acha que sou menos bi só porque falo mais sobre homens do que de mulheres?
Ela riu e disse:
– Nossa! Você mudou de assunto completamente do nada.
Eu sorri e disse:
– É que sua frase me fez lembrar disso.
– Então, não acho que isso faça de você mais ou menos bi, mas é possível, pelo menos ao meu ver, que existam motivos pra isso.
– Quais motivos?
– Sociais, talvez, não sei, mas acho isso porque a sociedade força a barra sobre a heteronormatividade, só que não sei como isso funciona realmente pra você porque não estou nessa posição e acho que pra cada pessoa deva ser de um jeito diferente, sei lá, o que importa é que nada pode invalidar quem você é além de você mesma, então não entre nessa paranóia.
Respirei fundo e cheguei a conclusão de que a melhor coisa foi realmente colocar aquilo pra fora, independente do que pudesse acontecer, embora que, felizmente, eu acho, nada de ruim aconteceu e isso me deu um sentimento de alívio tão grande, que consegui sorrir com um pouco mais de sinceridade de novo.
– Vai querer comer alguma coisa? – Perguntei.
– Hoje não, acho que só vou tomar um banho e deitar, to cansada e sem fome. – Disse já se levantando.
– Ta bom, vou beliscar alguma coisa e te encontro no quarto.
– Ta bom. – Respondeu já entrando no banheiro.
Fui pra cozinha e comi qualquer coisa, só pra não ficar de estômago vazio, depois fui pro quarto e ela ainda não tinha terminado o seu banho e é engraçado, porque, por mais que estivesse me sentindo melhor, o que realmente estava, ainda havia um incômodo lá no fundo da minha mente, como se fosse uma pulga atrás da orelha.
Débora entrou no quarto e se deitou, mas não me abraçou como vinha fazendo. Me virei pra ela e perguntei:
– Você ta bem?
– To sim. – Beijou meu rosto. – Boa noite, meu anjo.
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LGBT - Ao Meu Lado
RomanceDepois de cinco anos de relacionamento, Andréa, uma mulher adulta e bissexual, se vê solteira, triste e confusa com seus próprios pensamento e sentimentos. Em meio ao seu caos, existe uma mão amiga pra lhe trazer o mínimo de paz, além de outras emoç...