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JULHO
DULCE

Ainda está claro quando chego em casa.
Eu adoro o verão. Os tênis de Christopher sumiram, então imagino que ele tenha ido a pé para o trabalho hoje — tenho muita inveja disso. O metrô fica ainda mais nojento quando está calor.
Procuro novos bilhetes por todo o apartamento.
   Nem sempre são fáceis de encontrar, já que agora há Post-its em quase todos os cantos, a não ser que um de nós resolva fazer uma limpeza.
Por fim, encontro o novo recado no balcão da cozinha: um envelope com o nome de Poncho, um número de prisioneiro de um lado e nosso endereço do outro. Há um bilhete curto com a letra de Christopher ao lado do endereço.
A carta do Poncho chegou.
E dentro:

Cara Dulce,
Era uma noite escura e chuvosa...
Tá bom, não era. Era uma noite escura numa boate de quinta categoria chamada Daffie's, em Clapham.
Eu já cheguei lá bêbado — a gente tinha vindo de um esquenta na casa de um amigo.
Dancei com algumas meninas. Daqui a pouco chego ao motivo para estar dizendo isso. O público era bem diverso, muitos jovens saídos da faculdade e muitos daqueles caras nojentos que esperam na beira da pista de dança as meninas ficarem bêbadas. Mas nos fundos, em uma das mesas, havia uns caras que não pareciam se encaixar ali.
É difícil explicar. Eles pareciam estar ali por um motivo diferente de todas as outras pessoas. Não queriam pegar ninguém, não queriam ficar bêbados, não queriam dançar.
Agora eu sei que estavam ali para fazer negócios.
Eles são conhecidos como Bloods. Só descobri isso muito depois, quando já estava preso e contei minha história para os caras, então imagino que você também nunca tenha ouvido falar deles. Se for uma pessoa de classe média normal que mora em Londres e vai para o trabalho e tal, nunca vai saber que existem gangues como essa.
Mas elas são importantes. Acho que percebi isso naquele dia também, ao olhar para eles. Mas eu estava muito bêbado.
Um dos caras levou a namorada. Só havia duas mulheres no grupo deles, e uma delas estava muito entediada, dava para ver. Ela me notou no bar e começou a parecer muito mais interessada.
Eu sorri para ela. Se a garota estava cansada do namorado, isso era problema dele, não meu.
Não vou perder a chance de paquerar uma mulher bonita só porque o cara parado ao lado dela parece mais durão que o público normal do Daffie's.
Ele me encontrou depois no banheiro.
Me empurrou na parede.

— Fique longe dela, entendeu?
Sabe como é. Ficou berrando na minha cara, uma veia pulsando na testa.
— Não tenho ideia do que você está falando — respondi, muito tranquilo.
Ele gritou mais um pouco.
Me empurrou.

Fiquei firme, mas não o empurrei de volta nem bati nele. Ele disse que tinha me visto dançando com ela, o que não era verdade. Sei que ela não era uma das meninas com quem eu havia dançado mais cedo.
Teria me lembrado dela.
Mesmo assim, ele me irritou, e, quando ela apareceu mais tarde, pouco antes de a boate fechar, eu estava bem mais disposto a conversar com a garota, só para irritar o cara.
A gente flertou. Comprei um drinque para ela.
Os Bloods, nos fundos, estavam tratando de negócios e não pareceram notar. Dei um beijo nela.
Ela me beijou. Lembro que estava tão bêbado que ficava tonto quando fechava os olhos, então a beijei de olhos abertos.
E foi isso.

Ela simplesmente se misturou ao resto da boate — não lembro direito, estava muito bêbado. Não sei dizer exatamente quando ela foi embora, ou eu fui, ou sei lá.
A partir desse momento, não posso garantir nada. Se pudesse, obviamente não estaria escrevendo para você da prisão. Eu estaria deitado no seu famoso pufe, com uma xícara do café com leite do Christopher e esta seria apenas uma história engraçada que eu contaria no bar.
Mas, bom. Foi isso que acho que aconteceu.
Os Bloods foram atrás de mim e dos meus amigos quando saímos da boate. Meus colegas pegaram o ônibus, mas eu não morava longe, então fui a pé. Entrei no mercadinho da rua Clapham que fica aberto a noite toda e comprei cigarro e um engradado com seis cervejas.
Eu nem queria aquilo — com certeza não precisava de nada. Eram quase quatro da manhã, e eu provavelmente nem estava andando em linha reta. Mas entrei, paguei em dinheiro e fui para casa.

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