64.

83 11 1
                                    


CHRISTOPHER



Três ligações perdidas da Dulce.

Não posso falar com ela. Não quero ouvir nenhuma explicação.

Ainda estou caminhando, sabe Deus para onde — talvez em círculos. Estou mesmo vendo vários Starbucks parecidos.

Todas as ruas desta parte de Londres são estreitas e dickensianas. Paralelepípedos e tijolos sujos de poluição, faixas minúsculas e estreitas de céu entre janelas encardidas. Mas não é preciso andar muito para chegar ao mundo brilhante e azul-claro do centro da cidade. Viro uma esquina e me deparo comigo mesmo, espelhado na sede de vidro de uma firma de contabilidade.

Estou horrível.

Exausto e amarrotado neste terno — nunca fiquei bem de terno.

Eu deveria ter me esforçado mais para me arrumar; talvez isso tenha um impacto negativo em Poncho. Já tenho que lidar com minha mãe, cuja ideia de chique são botas na altura do joelho com um salto um pouco maior.

Paro, surpreso com a maldade desse pensamento.

Cruel e preconceituoso.

Não gosto de saber que isso veio da minha cabeça. Já consegui perdoar muitas coisas na minha mãe — ou achei que havia conseguido. Mas agora fico irritado só de pensar nela.

Hoje sou um homem irritado.

Irritado por ter aceitado ficar feliz pelo simples fato de que juízes ouviram o caso do meu irmão, quando, na verdade, ele nem deveria ter sido levado até lá por um guarda. Irritado por ter me preocupado em mostrar a Dulce o que sinto, mas por ter feito isso tarde demais, deixando assim um homem que lhe causa pesadelos, embora com certeza saiba planejar um grande gesto romântico, passar a minha frente.

Ninguém duvida do que Justin sente agora. Ele deixou bem claro. Realmente acreditei que ela não voltaria para ele. Mas a gente sempre pensa isso, e elas sempre voltam.

Olho para o celular: o nome de Dulce na tela.

Ela me mandou uma mensagem.

Não consigo abrir, mas me sinto incapaz de enfrentar a tentação, então desligo o telefone. Penso em ir para casa, mas minha casa está cheia das coisas de Dulce.

Do cheiro dela, das roupas que a vi usar, do vazio que ela deixa.

E uma hora ela vai voltar do lançamento — o apartamento é dela hoje à noite e no fim de semana. Então, não.

Posso dormir na minha mãe, claro, mas o estranho é que pareço estar tão furioso com ela quanto com Dulce. Além disso, não aguento nem pensar em dormir no antigo quarto que eu e Poncho dividíamos. Não posso estar onde Dulce está, não posso estar onde Poncho não está. Não tenho para onde ir.

Nenhum lugar é meu lar.

Continuo andando.

Essa divisão do apartamento...

Queria nunca ter feito isso.

Queria nunca ter aberto minha vida assim, deixado alguém entrar e preenchêla.

Eu estava bem — seguro, me virando. Agora o apartamento não é meu, é nosso, e, quando ela for embora, só vou ver a ausência de Dulce, livros sobre pedreiros e aquela droga de pufe estampado. Vai ser outro cômodo cheio do que está faltando.

Bem o que eu não queria.

Talvez eu ainda consiga salvar Dulce de uma vida com Justin.

Aceitar um pedido de casamento não significa que eles vão mesmo se casar, e ela não podia recusar, não é?

Não com todas aquelas pessoas olhando.

Sinto uma onda de esperança perigosa e me esforço para reprimi-la.

Lembro a mim mesmo que não posso salvar ninguém: isso está nas mãos da própria pessoa.

O melhor que podemos fazer é ajudar quando elas estiverem prontas.

Deveria comer. Não lembro quando foi última vez.

Na noite anterior? Já parece uma eternidade.

Agora que percebi que estou com fome, meu estômago ronca.

Entro no Starbucks.

Passo por duas meninas assistindo ao vídeo de Tasha Chai-Latte de Justin pedindo Dulce em casamento.

Bebo chá com muito leite, como um misto-quente metido a besta cheio de manteiga e encaro a parede. Percebo, quando a barista limpando a mesa me lança um olhar curioso, de pena, que voltei a chorar. Não consigo parar, então nem tento. Mas, no fim, pessoas estão notando e quero voltar a me mover, sozinho.

Ando mais.

Estes sapatos sociais estão fazendo bolhas nos meus calcanhares. Eu me lembro com saudade dos sapatos gastos que uso no trabalho, a perfeição com que se encaixam, e, depois de mais ou menos quinze minutos, fica claro que não estou mais apenas andando, estou andando para algum lugar. Sempre há espaço para outro enfermeiro na casa de repouso. 

PÓS-IT | Vondy - AdaptaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora