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DULCE

Quer dizer, ninguém diria que é legal seu ex-namorado aparecer quando se está pegando um cara novo. Ninguém ia querer que uma coisa assim acontecesse, a não ser que fosse um fetiche bem estranho.
Mas com certeza ninguém ficaria tão abalado.
Estou tremendo — não só minhas mãos, mas também as pernas, até bem acima dos joelhos. Tento me vestir da maneira mais silenciosa possível, paralisada com a possibilidade de Justin entrar e me ver só de calcinha, mas só consigo chegar até a metade antes que o medo de ser ouvida supere esse impulso. Desabo na cama só de calcinha, sutiã e um enorme casaco com desenhos do Papai Noel (era a coisa mais próxima dentro do armário).
Quando a porta do apartamento bate, tenho um sobressalto, como se alguém tivesse puxado um gatilho. É ridículo. Meu rosto está úmido com as lágrimas e estou realmente assustada.
Christopher bate com cuidado na porta do quarto.

— Sou só eu. Posso entrar?
  Respiro fundo, trêmula e enxugo as lágrimas.
— Sim, pode.
Ele me olha rápido e faz o mesmo que fiz: vai até o armário e pega a primeira roupa que vê na frente. Depois de vestido, ele se senta na outra ponta da cama. Fico agradecida.
De repente, não quero estar perto de ninguém nu.

— Ele foi embora mesmo? — pergunto.
— Esperei até ouvir a porta do prédio fechar. Ele foi embora.
— Mas Justin vai voltar. E não consigo lidar com a ideia de ter que vê-lo de novo. Eu não... Eu o odeio. — Respiro fundo outra vez, ainda trêmula, sentindo as lágrimas escorrerem de novo.
— Por que ele estava tão irritado? Será que ele sempre foi assim e eu só esqueci?
Estendo a mão para Christopher; quero ser abraçada. Ele muda de posição na cama e me puxa, deitando-me à sua frente e colando o corpo ao meu.
— Ele percebeu que está perdendo o controle sobre você — diz Christopher, baixinho. — Está com medo.
— Bom, não vou voltar para ele.
Christopher beija meu ombro.
— Você quer ligar para o Christian? Ou para a Maite?
— Você pode ficar comigo?
— Claro.
— Só quero dormir.
— Então vamos dormir.
Ele estende a mão para pegar a coberta de Brixton, puxa-a sobre nós dois, depois se inclina para apagar a luz.
— Pode me acordar se precisar de mim.

•••

Não sei como, mas durmo a noite toda e só acordo ao som do cara do apartamento de cima fazendo o que quer que ele faça às sete da manhã (parece algum tipo de aeróbica empolgada que envolve muitos pulos. Eu ficaria irritada, mas é muito melhor do que meu despertador me acordando para trabalhar).
Christopher sumiu.
Eu me sento na cama, os olhos inchados por ter ido dormir chorando, e tento entender a realidade outra vez. Quando estou conseguindo processar o dia anterior — infelizmente a parte boa do sofá teve um fim triste com a chegada de Justin —, Christopher põe a cabeça para dentro do quarto.

— Chá?
— Você que fez?
— Não, pedi para o elfo doméstico.
Sorrio ao ouvir isso.
— Não se preocupe. Falei para ele fazer o seu bem forte.
Posso entrar?
— Claro que pode. É seu quarto também.
— Não quando você está aqui.
Ele me entrega uma xícara de chá bem forte. É a primeira xícara de chá que ele faz para mim, mas, assim como sei que ele gosta de tomar o dele com leite, Christopher deve ter descoberto como gosto do meu.
É estranho ver como é fácil conhecer alguém pelos vestígios que a pessoa deixa para trás.
— Sinto muito por ontem à noite, eu...
Christopher balança a cabeça.
— Por favor, não precisa se desculpar.
A culpa não é sua.
— Bom, eu namorei o cara. Por vontade própria.
Meu tom é leve, mas Christopher franze a testa.
— Relacionamentos como esse param de ser "voluntários" muito rápido.
Existem muitas maneiras de uma pessoa fazer a outra ficar, ou achar que quer ficar.

Inclino a cabeça, olhando para Christopher enquanto ele se senta na beira da cama, os antebraços apoiados nos joelhos, ambas as mãos segurando a xícara de chá. Ele está falando comigo por sobre o ombro e, toda vez que olha nos meus olhos, tenho vontade de sorrir.
Ele penteou o cabelo — nunca o vi tão arrumado, alisado atrás das orelhas e formando cachos perto da nuca.

— Você parece muito bem informado — digo, com cuidado. Ele não me encara.
— Minha mãe passava muito tempo com homens abusivos. A palavra me dá arrepios.
Christopher percebe.
— Desculpa — pede.
— O Justin nunca me bateu — afirmo, rápido, ficando vermelha.
Aqui estou eu, fazendo um escândalo por causa de um namorado que mandava em mim, enquanto a mãe de Christopher passou...
— Não quis dizer esse tipo de abuso — explica ele. — Quis dizer emocional.
— Ah.
Era isso que Justin fazia?
Era, penso na hora, antes de ter tempo para duvidar de mim mesma. Claro que era, porra. Luci, Christin e Maite estão tentando me dizer isso há meses, não? Tomo um gole de chá, escondendo-me atrás da xícara.
— Era difícil perceber — explica Christopher, encarando o chá. — Mas ela está bem melhor agora. Muita terapia. Bons amigos.
Chegando à raiz do problema.
— Hum. Estou experimentando... essa história de terapia também.
Ele assente.
— Isso é bom. Vai ajudar.
— Acho que já está ajudando.
Foi ideia do Chris, e ele sempre está certo sobre tudo.
Eu adoraria ser confortada por Chris agora, na verdade. Quando olho ao redor, procurando o celular, Christopher aponta para a mesa de cabeceira.
— Vou deixar você sozinha para ligar.
E não se preocupe com o aniversário da Holly.
Aposto que é a última coisa que você...
Ele para ao ver minha expressão escandalizada.
— Você acha que vou perder o aniversário da Holly por causa de ontem?
— Bom, só achei que isso tinha exigido muito de você e...
Faço que não com a cabeça.
— De jeito nenhum.
A última coisa que quero é deixar essa... história do Justin atrapalhar as coisas importantes.
Ele sorri, e seu olhar encontra o meu.
— Tudo bem.
Obrigado.
— A gente tem que sair para comprar um presente! — grito quando ele sai do quarto.
— Já dei a saúde de presente para ela! — berra ele de volta.
— Isso não serve.
Tem que ser alguma coisa que dê para colocar numa caixa!

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