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CHRISTOPHER

A casa da mãe de Holly é uma construção geminada caindo aos pedaços em Southwark. Todas as paredes estão com a tinta descascada e quadros apoiados, não pendurados, mas tudo é muito simpático.
Só um pouco gasto.
Crianças entram e saem correndo quando chegamos. Fico um pouco assustado. Ainda estou processando a noite anterior, ainda zumbindo com a adrenalina da quase briga com Justin. Demos queixa do incidente na polícia, mas quero fazer mais.
Dulce deveria pedir uma ordem de restrição.
Mas não posso sugerir. A escolha é dela.
Não tenho o que fazer.
Entramos na casa. Há muitos chapéus de festa e alguns bebês chorando, talvez levado às lágrimas pelas crianças de oito anos aos berros.

Eu: Você está vendo a Holly?
Dulce fica na ponta do pé (do pé bom).
Dulce: É ela ali? Na fantasia de Star Wars?
Eu: Star Trek. E não. Talvez seja aquela menina na cozinha.
Dulce: Tenho quase certeza de que é um menino. Você não me disse que era esporte fino?
Eu: Você também leu o convite!

Dulce me ignora, pega um chapéu de caubói abandonado e o coloca na minha cabeça.
Viro para o espelho do corredor.
O chapéu se equilibra muito mal no meu cabelo.
Tiro e coloco na cabeça de Dulce. Muito melhor.
Uma coisa meio vaqueira sexy.
Muito clichê, claro, mas sexy mesmo assim.
Dulce confere o reflexo no espelho e afunda mais o chapéu na cabeça.

Dulce: Tudo bem.
Então você vai ser um feiticeiro.

Ela tira das costas de uma cadeira uma capa coberta com luas e estende os braços para colocá-la em meus ombros, prendendo-a com um laço no meu pescoço. Sentir os dedos dela me faz pensar na noite anterior.
É um local muito pouco apropriado para esse tipo de pensamento, então tento deixar isso para lá, mas Dulce não está ajudando.
Ela passa as mãos pelo meu peito em um gesto que lembra o momento no sofá.
Agarro a mão dela.

Eu: Não pode fazer isso.
Dulce ergue as sobrancelhas, atrevida.
Dulce: Fazer o quê?

Bom, se ela está planejando me torturar, deve estar se sentindo um pouco melhor.

• • •

Por fim, localizo Holly sentada na escada e percebo por que foi tão difícil encontrá-la. Está totalmente transformada. Olhos brilhantes.
Cabelo mais grosso e saudável, caindo no rosto e sendo soprado para trás com impaciência enquanto ela fala. Parece até que engordou um pouco.

Holly: Christopher!
Ela desce a escada correndo.
Está vestida de Elsa, de Frozen, assim como toda menina que fez aniversário no Ocidente desde 2013.
Está um pouco grande para se fantasiar, mas, por outro lado, ela perdeu a maior parte da infância internada num hospital.
Holly: Cadê a Dulce?
Eu: Ela também veio. Só foi ao banheiro.
A resposta parece acalmá-la.
Holly passa o braço pelo meu e me arrasta até a sala para que eu experimente os enroladinhos de salsicha que já foram cutucados por muitas crianças com dedos sujos.
Holly: Vocês já estão namorando?
Eu a encaro, o copo de plástico com suco de frutas a caminho da boca.
Holly revira os olhos, me convencendo de que ainda é a mesma pessoa, não uma sósia mais gordinha.
Holly: Ah, pelo amor de Deus.
Vocês dois foram feitos um para o outro!

Olho em volta, nervoso, torcendo para que Dulce não esteja perto para ouvir. Mas também estou sorrindo. Na mesma hora, penso na minha reação a comentários parecidos sobre mim e Kay — normalmente era o tipo de coisa que fazia Kay dizer que eu tinha medo de compromisso.
Claro que esses comentários raramente vinham da boca de crianças pequenas e precoces com tranças falsas enroladas no pescoço (imagino que tenha caído da cabeça dela há algum tempo).

Eu: Na verdade...
Holly: Isso! Eu sabia! Já disse "eu te amo" para ela?
Eu: Ainda está meio cedo.
Holly: Não se você estiver apaixonado há um tempão.
Pausa.
Holly: E você está. É óbvio.
Eu, com cuidado: Não sei do que você está falando, Holly. Nós éramos amigos.
Holly: Amigos que se amam.
Eu: Holly...
Holly: Bom, você já disse que gosta dela?
Eu: Ela com certeza já sabe.
Holly estreita os olhos.
Holly: Sabe mesmo, Christopher?
Fico um pouco abalado.
Sim? Sabe?
Os beijos foram uma pista clara, não?
Holly: Você é péssimo em contar às pessoas o que sente de verdade.
Quase nunca dizia que gostava mais de mim do que dos outros pacientes.
Mas eu sei que gostava.
Ela abre as mãos, como se dissesse: É o mesmo caso aqui.
Tento não sorrir.
Eu: Bom, pode deixar que vou dizer.
Holly: Tudo bem. Vou contar para ela mesmo.
E ela sai correndo, atravessando a multidão.
Merda.
Eu: Holly! Holly! Não diga nada...

Por fim, encontro as duas na cozinha.
Chego no fim do que é claramente uma intervenção da parte de Holly. Dulce está abaixada, sorrindo, o cabelo ruivo brilhando sob as luzes exageradas da cozinha.

Holly: Só quero que saiba que ele é legal e você é legal.
Ela fica na ponta dos pés e acrescenta, em um sussurro alto demais.
Holly: Isso significa que nenhum dos dois vai ser feito de capacho.
Dulce olha para mim, sem entender.
Aperto os lábios enquanto algo derrete no meu peito.

Interrompo as duas e puxo Dulce para mim, estendendo a mão para bagunçar o cabelo de Holly. Criança estranha e clarividente.

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