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DULCE

Meu pai gosta de dizer que "a vida nunca é simples". É uma de suas frases favoritas.
   Na verdade, não concordo. A vida costuma ser simples, mas a gente não nota até que ela se torna absurdamente complicada, tipo quando só se fica feliz por estar bem quando se fica doente, ou quando só se fica feliz com sua gaveta de meias-calças quando se rasga um par e não tem nenhuma sobrando.
   Katherin acabou de gravar um tutorial em vídeo para a página de Tasha Chai-Latte de como fazer um biquíni de crochê. A internet enlouqueceu. Não consigo acompanhar todas as pessoas influentes que retuitaram o vídeo — e, como Katherin odeia Martin, toda vez que surta ou precisa de ajuda com alguma coisa, ela me liga. Eu, que não sei nada sobre relações públicas, tenho que falar com Martin e depois responder a Katherin. Se isso fosse um divórcio e eu fosse filha deles, o serviço social seria acionado.
   Maite me liga quando estou saindo do trabalho.

   — Você só saiu agora? Já pediu um aumento? — pergunta ela.
Olho o relógio: são sete e meia da noite.
Como fiquei no trabalho por quase doze horas e fiz tão pouca coisa?
  — Não tenho tempo para isso — explico. — E eles não dão aumentos.
Provavelmente vão me demitir se eu pedir.
  — Isso é ridículo.
  — Afinal, o que houve?
  — Ah, achei que você ia querer saber que consegui um adiantamento de três meses da audiência de apelação do Poncho — diz Maite, distraidamente.

Paro na hora.
Alguém esbarra comigo e solta um palavrão (parar de forma brusca no centro de Londres é um crime hediondo e dá permissão imediata para as pessoas à sua volta começarem a te chutar).

  — Você pegou o caso?
  — O advogado dele era horrível — afirma Maite. — Sério. Estou até com vontade de denunciá-lo.
Vamos ter que achar outro defensor para ele também, especialmente porque passei por cima do último e deixei o cara puto, mas...
  — Você pegou o caso?
  — Isso é meio óbvio, Dulce.
— Obrigada.
Muito obrigada.
Meu Deus, eu... — Não consigo parar de sorrir.
  — O Poncho já contou para o Christopher?
  — O Poncho provavelmente não sabe ainda.
Escrevi para ele ontem.
  — Posso contar para o Christopher?
  — Vai me poupar o trabalho, então manda ver.

Meu telefone vibra assim que desligo.
É uma mensagem do Christopher.
  Meu coração dá um espasmo breve e esquisito.
Ele não me manda uma mensagem nem me deixa bilhetes desde que nos falamos no fim de semana.

Só para você saber: buquê enorme de flores do seu ex para você no corredor.
Não sei se devo estragar a surpresa
(boa ou ruim?), mas, se fosse eu, ia querer ser avisado.
Bjos

   Paro de repente de novo; desta vez um homem de negócios de scooter passa por cima do meu pé.
   Não falo com Justin desde quinta. Não houve ligações, mensagens, nada. Eu tinha me convencido de que ele havia levado a sério o que eu disse e não entraria em contato comigo, mas eu deveria saber que não — não é o estilo dele. Mas isso... isso faz muito mais sentido.
   Eu não quero um grande buquê de flores de Justin. Quero que ele suma — é muito difícil continuar minha recuperação porque ele fica aparecendo em todos os cantos. Enquanto sigo a passos firmes até nosso prédio, cerro os lábios e me preparo.
   É mesmo um buquê de flores enorme. Eu me esqueci de como ele é rico e como está disposto a gastar dinheiro em coisas ridículas. No meu aniversário do ano passado, ele comprou um vestido de grife absurdamente caro, todo de seda e lantejoulas prata. Usá-lo me fez sentir que estava fantasiada de outra pessoa.
   Preso entre as flores está um cartão que diz: Para Dulce — a gente se fala em outubro. Com amor, Justin. Ergo o buquê e confiro embaixo, procurando um bilhete decente, mas não. Um bilhete seria direto demais — um gesto gigante e caro faz mais o estilo de Justin.
   Isso me irrita muito, por algum motivo. Talvez porque eu nunca tenha contado a Justin onde moro. Ou talvez porque claramente desrespeita o que falei na quinta e porque ele transformou meu "preciso de uns meses" em "vou falar com você daqui a dois meses".
   Enfio as flores no vaso ornamental em que costumo guardar a lã reserva. Eu estava esperando que Justin fizesse isso — aparecesse com explicações e gestos caros e me deixasse caidinha de novo. Mas aquela mensagem no Facebook, o noivado... Ele passou dos limites e agora sou uma pessoa diferente da que era na última vez em que ele tentou voltar comigo.
    Desabo no sofá e encaro as flores. Penso no que Chris disse e em como estou me lembrando de algumas coisas, apesar de tudo. De como Justin me dava bronca por ser esquecida, de como isso me deixava confusa. Aquela sensação entre a excitação e a ansiedade quando ele chegava em casa todos os dias. A realidade de como meu estômago se revirou quando ele colocou a mão no meu ombro e se irritou comigo ao me chamar para tomar um drinque no bar na quinta-feira.
   Aquela lembrança.
   Meu Deus.
Não quero voltar para tudo aquilo. Estou mais feliz agora — gosto de morar aqui, bem escondida neste apartamento que transformei em algo meu. Daqui a duas semanas, meu contrato aqui acaba. Christopher não falou nada, então fiquei quieta também porque não quero me mudar. Tenho dinheiro pela primeira vez, mesmo que a maior parte esteja sendo usado para pagar o empréstimo. Tenho um colega de apartamento com quem posso conversar — quem liga se não é ao vivo? E tenho uma casa que finalmente parece cinquenta por cento minha.

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