44.

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CHRISTOPHER

A respiração dela fica mais calma. Arrisco um olhar de esguelha; posso ver o leve tremor das pálpebras enquanto Dulce sonha. Ela está dormindo.
Expiro devagar, tentando relaxar.
Espero de verdade que não tenha estragado tudo.
Não foi uma decisão típica minha, pegá-la no colo assim e colocá-la na cama. Só parecia... Não sei.
Dulce é tão impulsiva que é contagioso. Mas, claro, ainda sou eu, então a impulsividade desapareceu no momento potencialmente crucial e foi substituída por uma indecisão familiar e assustadora. Ela está bêbada e machucada — não posso beijar uma mulher bêbada e machucada, posso? Talvez possa.
Talvez ela estivesse esperando por isso?
Poncho tem fama de ser romântico, mas sempre fui mais. Ele costumava me chamar de fresco quando éramos adolescentes: enquanto estava sempre correndo atrás de tudo que tivesse olhado uma vez para ele, eu sonhava com a menina de quem gostava desde o ensino fundamental, mas tinha muito medo de falar com ela. Sempre fui o cara que pensa antes de se apaixonar — apesar de nós dois nos apaixonarmos com a mesma intensidade.
Engulo em seco.
Penso na sensação do braço de Dulce encostado no meu, em como os pelos do meu antebraço se eriçaram ao menor toque. Encaro o teto. Percebo tarde demais que as cortinas ainda estão abertas, a luz do poste entrando pela janela do quarto.
Enquanto estou deitado ali, pensando, observando a luz se mover pelo chão, percebo aos poucos que não amo Kay há muito tempo. Eu a amei, me senti próximo dela, gostava do fato de ela fazer parte da minha vida. Era seguro e fácil. Mas tinha me esquecido da incrível loucura que era se apaixonar por alguém e não conseguir pensar em mais nada. Kay e eu não tínhamos nenhuma faísca desde o último... ano, talvez?
Olho de novo para Dulce, os cílios lançando sombras nas maçãs do rosto, e penso no que ela me contou sobre Justin. Os bilhetes me fizeram pensar que ele não era bom para ela — por que Dulce teve que devolver todo aquele dinheiro de repente? Mas nada tão assustador quanto o que ela disse no trem.
Porém, por mais que fossem importantes para mim, eram só bilhetes. Mais fácil mentir para si mesmo escrevendo e mais difícil para alguém notar.
Minha cabeça está muito cheia de pânico, arrependimento e uísque para dormir. Continuo encarando o teto. Ouço a respiração de Dulce. Imagino tudo que poderia ter acontecido: se tivéssemos nos beijado e ela tivesse me impedido, se tivéssemos nos beijado e ela não tivesse...
Melhor parar. Esses pensamentos estão seguindo um caminho pouco apropriado.
Dulce se vira, puxando o edredom com ela. Metade do meu corpo agora está descoberto. Mas não consigo ficar irritado. É importante que ela fique aquecida depois de quase se afogar.
Ela se vira de novo. Mais edredom. Agora só meu braço direito está coberto. Não vou conseguir dormir assim de jeito nenhum.
Vou ter que puxar de volta. Tento com cuidado primeiro, mas é como brincar de cabo de guerra. A mulher prendeu o edredom com mão de ferro. Como ela consegue ser tão forte se está inconsciente?
Vou ter que optar pelo puxão assertivo. Talvez ela não acorde. Talvez ela só...

Dulce: Ai!
Ela veio com o edredom, rolando, e eu também pareço ter migrado para o meio da cama. Agora estamos cara a cara no escuro, em uma proximidade tentadora.
Minha respiração acelera. As bochechas dela estão vermelhas, e os olhos, pesados de sono.
Percebo tarde demais que ela acabou de dizer ai.
O movimento deve ter puxado o tornozelo dela.
Eu: Desculpa! Desculpa!
Dulce, confusa: Você tentou arrancar o edredom de mim?
Eu: Não! Eu só estava querendo pegar de volta.
Dulce pisca, sonolenta. Quero muito beijá-la. Será que posso fazer isso agora? Ela provavelmente está mais sóbria. Mas então Dulce estremece por causa do tornozelo dolorido e eu me sinto o pior ser humano do mundo.
Dulce: Pegar de volta?
Eu: Bom, você meio que... roubou tudo.
Dulce: Ah! Desculpa. Da próxima vez, me acorde.
Vou voltar a dormir rapidinho.
Eu: Ah. Tudo bem. Claro. Desculpa.

Dulce me lança um olhar divertido, meio sonolento enquanto rola para o outro lado, puxando o edredom até o queixo. Afundo a cabeça no travesseiro. Não quero que ela veja que estou sorrindo como um adolescente apaixonado porque ela acabou de dizer "da próxima vez".

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