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DULCE

Não sei o que me fez falar sobre Justin assim. Não mencionei nos bilhetes para Christopher nada sobre a terapia e as lembranças — os Post-its me deixam feliz e acolhida, não vou estragar tudo com as merdas do Justin —, mas, de repente, agora que estou frente a frente com ele, me pareceu natural conversar sobre as coisas que estão enchendo minha cabeça. Ele tem um desses rostos que não julgam, o que faz a gente querer, tipo... compartilhar.
   Ficamos em silêncio enquanto o trem corre pelos campos gramados do interior da Inglaterra. Tenho a sensação de que Christopher gosta do silêncio; não é tão incômodo quanto eu esperava, é mais como se este fosse o estado natural dele. É estranho porque, quando fala, ele é muito interessante, apesar de ser de uma maneira quieta e intensa.
   Ele está olhando pela janela, apertando os olhos para protegê-los da luz do sol, então tenho a chance de observá-lo. Está meio mal vestido, com uma camiseta cinza velha e um cordão que ele parece não tirar nunca. Eu me pergunto qual é o significado. Christopher não me parece do tipo que usa acessórios por motivos além dos sentimentais.
Ele me pega olhando e me encara. Sinto um arrepio. De repente, o silêncio parece diferente.

    — Como está o sr. Prior? — disparo.
Christopher fica surpreso.
    — O sr. Prior?
    — É. O tricotador que salvou minha vida. A última vez que falei com ele foi na casa de repouso. — Abro um sorriso irônico para ele. — Enquanto você estava ocupado me evitando.
    — Ah. — Ele esfrega a nuca, olhando para baixo, depois abre um sorrisinho torto para mim.
É tão rápido que quase não vejo.
   — Não foi meu melhor momento.
   — Hum... — Franzo a testa, fingindo seriedade. 
   — Você tem medo de mim, é isso?
   — Um pouco.
   — Um pouco! Por quê?

Ele engole em seco, fazendo o pomo de adão se mover, e tira o cabelo do rosto.
Acho que Christopher está nervoso. É muito fofo.

  — Você é muito...
Ele aponta para mim.
  — Faladeira? Insolente? Exagerada?
Ele se encolhe.
  — Não. Isso, não.
Eu espero.
  — Você algum dia já ficou tão ansiosa para ler um livro que não conseguia nem começar?
  — Ah, claro. O tempo todo. Se eu tivesse algum autocontrole, nunca teria conseguido ler o último Harry Potter. A ansiedade foi dolorosa. Sabe, tipo, e se não for tão bom quanto os últimos? E se não for o que eu espero?
  — É, isso. — Ele aponta para mim.
  — Eu acho que poderia ter sido... assim.
  — Comigo?
  — É. Com você.

Olho para as mãos que coloquei no colo, esforçando-me para não sorrir.

  — Falando no sr. Prior... — Christopher voltou-se para a janela de novo. — Sinto muito, mas não posso falar sobre meus pacientes.
  — Ah, claro. Bom, espero que a gente ache o Johnny White dele. O sr. Prior é um fofo.
Ele merece um final feliz.

   Enquanto seguimos viagem e mantemos uma conversa confortável, dou olhadas discretas para Christopher do outro lado da mesa. Em certo momento, nossos olhares se encontram no reflexo da janela e ambos desviamos rápido, como se tivéssemos visto algo que não deveríamos.
   Começo a achar que todo o incômodo passou quando chegamos a Brighton, mas então ele se levanta para pegar a mochila no bagageiro acima do assento e, de repente, fica de pé, a camiseta sobe, e o elástico preto da cueca Calvin Klein desponta da calça jeans. Volto a não saber para onde olhar. Tento achar a mesa muito interessante.

   Um sol fraco brilha lá fora; o outono ainda não chegou. Quando saímos da estação, vejo ruas cheias de casinhas brancas se estendendo à nossa frente, pontuadas por pubs e cafés que todos em Londres pagariam caro para ter na esquina.
Christopher combinou de encontrar o sr. White no píer. Quando chegamos à praia, deixo escapar um gritinho animado. O píer se estende pelo mar azul-esverdeado como se fosse um quadro em um daqueles balneários costeiros antigos, onde pessoas da era vitoriana nadavam com uns maiôs ridículos que batiam nos joelhos. É perfeito. Tiro da bolsa meu enorme chapéu de abas largas, estilo anos 1950, e ponho na cabeça.
Christopher olha para mim, rindo.

  — Que chapéu!
  — Que dia! — retruco, abrindo bem os braços.
  — Nenhum outro chapéu faria justiça a ele.
Christopher sorri.
  — Vamos para o píer?
Meu chapéu balança quando assinto.
  — Para o píer!

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