CHRISTOPHER
Atrasado para o trabalho. Conversei com Poncho sobre transtorno pós traumático por vinte minutos, um tempo que ele realmente não tinha sobrando. É a primeira vez em muito tempo que converso com Poncho sobre outra coisa que não o caso, o que é estranho, já que a audiência é daqui a três dias. Acho que Maite fala sobre isso com tanta frequência que ele quer mudar de assunto.
Perguntei sobre ordens de restrição também. Ele foi bem claro: a decisão é da Dulce.
Seria uma péssima ideia tentar impor decisões a ela — tenho que esperar que chegue a essa conclusão sozinha. Ainda odeio que o ex saiba onde ela mora, mas tenho que lembrar que não é meu papel dizer isso. Atrasado mesmo. Abotou a camisa saindo do prédio. Sou especialista em saída rápida de casa. Cada segundo conta, então pulo o lanche, o que vai me atormentar às onze da noite, depois que as enfermeiras do turno da manhã tiverem comido todos os biscoitos.Homem Estranho do Apartamento 5: Christopher!
Olho para cima quando a porta do prédio bate. É o Homem Estranho do Apartamento 5, que (de acordo com Dulce) faz ginástica aeróbica animada às sete da manhã e acumula caixas de banana na vaga de estacionamento. Fico surpreso ao perceber que ele sabe meu nome.
Eu: Oi?
Homem Estranho do Apartamento 5: Nunca achei que você fosse enfermeiro!
Eu: Ah. Estou atrasado para o trabalho, então...
Homem Estranho do Apartamento 5 balança celular para mim, como se eu pudesse ver o que está na tela.
Homem Estranho, triunfante: Você ficou famoso!
Eu: Oi?
Homem Estranho: Saiu no Daily Mail! Usando um casaco metido a besta de uma coroa famosa.
Eu: Isso não soou muito politicamente correto, Homem Estranho do Apartamento 5.
Tenho que ir. Aproveite o resto do jornal! Corro o mais rápido possível.
Penso um pouco e decidi não me esforçar para manter a fama.
• • •
O sr. Prior fica acordado por tempo suficiente para ver as fotos. Logo vai apagar de novo, mas sei que com isso pelo menos vai dar umas risadas, então mostro as fotos na tela do telefone.
Hum. Quatorze mil curtidas em uma foto minha olhando para o horizonte, de camiseta preta e um cachecol de crochê enorme. Estranho.Sr. Prior: Lindo, Christopher!
Eu: Nossa, obrigado.
Sr. Prior: Bom, por acaso certa bela moça convenceu você a se humilhar desta maneira?
Eu: É. Hum... Foi ideia da Dulce.
Sr. Prior: Ah, a colega de apartamento. E... namorada?
Eu: Não, não, "namorada" não. Ainda não.
Sr. Prior: Não? Da última vez que nos falamos, tive a impressão de que vocês dois estavam muito encantados um com o outro.
Confiro a ficha do sr. Prior, mantendo o rosto cuidadosamente impassível.
Testes de função hepática ruins. Nada bom. Era o esperado, mas, ainda assim, nada bom.
Eu: Eu... é. Estou.
Só não quero apressar as coisas. Acho que ela também não quer.
O sr. Prior franze a testa. Seus olhinhos redondos quase desaparecem sob as rugas das sobrancelhas.
Sr. Prior: Posso lhe dar um conselho, Christopher?
Faço que sim.
Sr. Prior: Não deixe sua... reticência natural atrapalhar você.
Deixe claro o que sente por ela. Afinal, você é um livro fechado, Christopher.
Eu: Livro fechado? Noto as mãos do sr. Prior tremerem enquanto ele ajeita a colcha na cama e tento não pensar no prognóstico.
Sr. Prior: Quieto. Taciturno. Tenho certeza de que ela acha isso muito atraente, mas não deixe que seja uma barreira. Demorei muito para dizer ao meu... Agora é tarde demais e me arrependo de não ter simplesmente dito o que queria quando ainda podia.
Pense em como minha vida poderia ter sido. Não que eu não esteja feliz com o que tenho, mas... a gente perde muito tempo quando é jovem.
Não posso fazer nada por aqui sem que alguém queira compartilhar um pouco de sensatez comigo. Mas o sr. Prior me deixou meio nervoso. Senti, depois do País de Gales, que não deveria apressar as coisas com Dulce. Mas talvez eu esteja me contendo demais. É o que faço, pelo visto.
Agora queria ter mencionado a mudança para o turno do dia. Ainda assim, fui para um castelo com ela e posei apoiado em uma árvore, ao vento, com um cardigã longo.
Com certeza deixei claro o que sinto, não?
• • •
Poncho: Você não é uma pessoa naturalmente acessível.
Eu: Sou, sim! Sou... direto.
Expressivo. Um livro aberto.
Poncho: Você não se sai tão mal ao falar sobre seus sentimentos comigo, mas aí não conta, e normalmente acontece porque faço isso primeiro.
Você deveria seguir meu exemplo, cara. Nunca tive tempo para essa coisa de bancar o difícil. Bancar o fácil e me pôr para jogo sempre funcionou para mim.Fico um pouco envergonhado. Estava me sentindo bem em relação a tudo com Dulce, mas agora estou ansioso. Não deveria ter contado a Poncho o que o sr. Prior disse — eu tinha que saber qual seria a opinião dele.
Poncho já escrevia músicas de amor para cantar para as meninas nos corredores da escola aos dez anos.
Eu: E o que eu faço então?
Poncho: Porra, cara, é só falar que você gosta dela e que quer tornar isso oficial. Dá para ver que você quer, então não pode ser tão difícil assim. Tenho que ir. A Maite me mandou recontar tudo o que aconteceu depois que saí da boate de novo.
Sério, não sei se aquela mulher é humana.
Eu: Aquela mulher é...
Poncho: Não se preocupe. Longe de mim falar mal dela.
Eu ia dizer que ela é sobre-humana.
Eu: Muito bem.
Poncho: E gostosa também.
Eu: Nem comece...
Poncho solta uma gargalhada.
Me pego sorrindo. Não consigo não sorrir quando ele ri assim.
Poncho: Vou me comportar, pode deixar. Mas, se a Maite me tirar daqui, vou levá-la para jantar. Ou talvez pedir a mão dela em casamento.
Meu sorriso some um pouco. Sinto uma pontada de preocupação. A audiência vai mesmo acontecer. Faltam dois dias. Não me deixei sequer pensar na possibilidade de Poncho ser declarado inocente, mas meu cérebro não para de seguir esse caminho contra minha vontade, montando a cena: eu levando Poncho para casa para se sentar no pufe estampado de Dulce, beber cerveja, ser meu irmão mais novo outra vez.
Não consigo pôr em palavras o que quero dizer a ele.
Não tenha tanta esperança? Mas claro que ele vai ter — também tenho.
Esse é o objetivo, afinal.Então... não fique chateado se não der certo? Também é ridículo.
Não há palavras para a magnitude do problema.
Eu: Vejo você na sexta.
Poncho: Esse é o livro aberto que eu conheço e amo.
Vejo você na sexta, maninho.
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PÓS-IT | Vondy - Adaptação
RomansaDepois de três meses do fim do seu relacionamento, Dulce finalmente sai do apartamento do ex-namorado. Agora ela precisa encontrar o quanto antes um lugar barato onde morar. Contrariando os amigos, ela topa um acordo bastante inusitado. Enrolado com...