DULCE
Não estou bêbada, mas também não estou sóbria. Sempre ouvi dizer que nadar no mar nos deixa com fome — bom, quase se afogar nos deixa fracos para bebida.
Além disso, uísque com gelo é muito forte.
Não consigo parar de rir. Christopher com certeza também não está sóbrio; ele relaxou os ombros e seu sorriso torto agora é permanente. Além disso, ele parou de tentar arrumar o cabelo, então de vez em quando um novo cacho se liberta.
Ele está me contando de quando era criança e morava em Cork e das armadilhas elaboradas que Poncho e ele criavam para irritar o namorado da mãe (e é por isso que estou rindo).— Espere aí. Vocês estendiam um fio no corredor? Como as outras pessoas não tropeçavam também?
Christopher balança a cabeça.
— A gente saía escondido e montava tudo depois que minha mãe tinha colocado a gente na cama. Whizz sempre ficava até tarde no pub.
A gente aprendia muitos palavrões quando ouvia o cara tropeçar.
Dou risada.
— O nome dele era Whizz?
— Aham. Mas acho que não era de batismo. — A expressão dele fica
séria.
— Ele foi um dos piores, na verdade. Tratava minha mãe muito mal, sempre a chamava de burra. Mas mesmo assim ela continuava com ele. Sempre deixava que ele voltasse depois de pôr o cara para fora. Ela estava estudando para receber o diploma de segundo grau quando eles começaram a namorar, mas ele fez com que ela desistisse.
Faço cara feia. A história da armadilha de repente não é mais tão engraçada.
— Sério? Mas que filho da puta!
Christopher parece um pouco impressionado.
— Falei alguma coisa errada? — pergunto.
— Não. — Ele sorri. — Não, só surpreendente.
De novo. Você ia ganhar do Whizz em um concurso de palavrões.
Inclino a cabeça.
— Ah, obrigada — digo. — E seu pai? Ele foi embora?Christopher está quase na horizontal, como eu — estamos compartilhando a cadeira para os pés. Ele está com as pernas cruzadas na altura dos tornozelos e o copo de uísque na ponta dos dedos, girando o líquido à luz da vela. O restaurante já está quase vazio; os garçons limpam discretamente as mesas do outro lado do salão.
— Ele foi embora quando Poncho nasceu, se mudou para os Estados Unidos. Quase não me lembro mais dele... Só imagens aleatórias... — Ele balança a mão. — Uma coisa ou outra. Minha mãe nunca fala dele.
Só sei que ele trabalhava como bombeiro hidráulico em Dublin.
Arregalo os olhos.
Não consigo imaginar não saber mais nada sobre meu pai, mas Christopher fala como se não se importasse. Ele percebe minha expressão e dá de ombros.
— Nunca liguei para isso. Não fazia questão de saber mais sobre ele. Essa história incomodava o Poncho na adolescência, mas não sei o que ele fez com relação a isso. A gente não conversa sobre nosso pai.
Parece que há mais a ser dito, mas não quero forçar a barra e estragar a noite.
Toco o pulso dele por um instante; ele me lança outro olhar surpreso, curioso. O garçom se aproxima, talvez sentindo que nossa conversa não vai terminar nunca se ele deixar. Começa a retirar nossa mesa; só então tiro a mão do pulso de Christopher.
— A gente deveria ir dormir, não? — sugiro.
— Provavelmente. — Ele se vira para o garçom. — Babs ainda está por aqui?
Ele faz que não com a cabeça.
— Já foi para casa.
— Ah. Ela disse em que quarto vou dormir?
Ela falou que Dulce e eu podíamos passar a noite aqui.
O garçom olha para mim, depois para Christopher, depois de novo para mim.
— É... Acho... que ela imaginou... que vocês dois eram...
Christopher leva um tempo para entender. Quando a ficha cai, ele grunhe e esconde o rosto nas mãos.
— Não tem problema — respondo, rindo de novo. — A gente está acostumado a dormir na mesma cama.
— Certo — diz o garçom, mais confuso do que nunca. — Bom,então está tudo bem?
— Não ao mesmo tempo — informa Christopher. — A gente usa a mesma cama em horários diferentes.
— Certo — repete o garçom. — Bom, é... Eu posso...? Vocês precisam de alguma coisa?
Christopher faz um gesto para que ele fique tranquilo.
— Não, pode ir para casa. Vou dormir no chão.
— A cama é grande — lembro. — A gente pode dividir. Grito.
Fui ambiciosa demais ao tentar me apoiar no tornozelo
torcido enquanto me levantava da mesa. Em um instante, Christopher está ao meu lado. Ele tem reflexos rápidos para um homem que bebeu tanto uísque.
— Estou bem — digo, mas deixo que ele ponha o braço em volta de minha cintura para me escorar enquanto manco pelo restaurante.
Depois de pouco tempo, quando chegamos à escada, ele diz:
— Foda-se.E me pega no colo outra vez.
Solto um grito de surpresa e depois uma gargalhada. Não peço que ele me ponha no chão — não quero. Mais uma vez vejo o corrimão polido e os quadros engraçados com molduras douradas e cheias de rococó enquanto ele me carrega pela escada; mais uma vez ele abre a porta do meu quarto — nosso quarto — com o cotovelo e entra comigo, fechando a porta com um chute.
Ele me deixa na cama. O quarto está na penumbra, a luz do poste da rua cria triângulos amarelos no edredom e pinta o cabelo de Christopher de dourado. Seus grandes olhos castanhos me encaram, o rosto a centímetros do meu enquanto ele tira o braço da minha cabeça com cuidado, para apoiá-la nos travesseiros.
Christopher não se afasta. Nós nos encaramos, os olhares fixos, apenas poucos centímetros nos separando. O momento é tenso, cheio de possibilidades.
Entro em pânico por um instante — e se eu começar a surtar de novo? —, mas estou louca para que ele me beije, e o pânico logo desaparece, esquecido. Posso sentir seu hálito nos meus lábios, ver seus cílios na luz fraca.
Então ele fecha os olhos e se afasta, virando a cabeça com um suspiro rápido, como se estivesse prendendo a respiração.
Caramba. Também me afasto, em dúvida de repente, e o encanto se quebra. Será que entendi errado os sinais? Os olhares fixos, a tensão, os lábios quase se tocando?
Minha pele está quente, e meu coração, disparado. Ele olha de novo para mim: ainda há desejo em seus olhos e uma ruguinha entre suas sobrancelhas. Tenho certeza de que ele estava pensando em me beijar. Talvez eu tenha feito alguma coisa errada — afinal, estou meio fora de forma. Ou talvez a maldição de Justin tenha se ampliado e agora estrague os beijos antes mesmo de começarem.
Christopher se deita ao meu lado na cama. Parece absurdamente constrangido, e, enquanto mexe na camiseta, eu me pergunto se deveria tomar a iniciativa e beijá-lo, simplesmente encostar meu corpo no dele e puxar seu rosto. Mas e se eu não compreendi a situação direito e esse for um daqueles momentos em que deveria apenas deixar o assunto de lado?
Eu me ajeito com cuidado ao lado dele.— É melhor a gente ir dormir, não é? — pergunto.
— É. — A voz dele soa baixinha.
Pigarreio. Bom, acho que é isso.Ele se mexe um pouco. Seu braço esbarra no meu; minha pele fica arrepiada. Eu o ouço respirar fundo quando nos tocamos, apenas um suspiro baixo de surpresa. Então ele se levanta e vai para o banheiro, e eu fico ali, com a pele arrepiada e o coração disparado, encarando o teto.
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PÓS-IT | Vondy - Adaptação
RomanceDepois de três meses do fim do seu relacionamento, Dulce finalmente sai do apartamento do ex-namorado. Agora ela precisa encontrar o quanto antes um lugar barato onde morar. Contrariando os amigos, ela topa um acordo bastante inusitado. Enrolado com...