11.

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DULCE

  — Isso é ridículo.
  — Eu sei — digo.
  — É isso?! — berra Anahi.
Eu me encolho.

Ontem à noite, bebi uma garrafa de vinho branco,
preparei um bolo de aveia em pânico e mal dormi. Estou frágil demais para gritos.
Estamos sentadas no "espaço criativo" do trabalho — que é igual às duas outras salas de reunião da Butterfingers Press, mas, só para me irritar, não tem uma porta normal (para dar a sensação de espaço aberto) e tem quadros brancos na parede.
Alguém fez anotações neles uma vez, e agora os registros da "sessão criativa" dessa pessoa estão marcados para sempre em tinta de caneta seca, totalmente incompreensíveis. Anahi imprimiu os layouts que discutiríamos na reunião e espalhou pela mesa. É a droga do livro de receitas de bolos e dá para ver que eu estava de ressaca e com pressa quando editei isso.

  — Você está me dizendo que viu Justin em um cruzeiro, que ele lançou um olhar de Quero te comer e você continuou fazendo o que estava fazendo e não viu o cara de novo?
  — Pois é — repito, numa tristeza absoluta.
  — Que ridículo! Por que você não foi atrás dele?
  — Eu estava ocupada com a Katherin! Que, falando nisso, me machucou seriamente — conto, tirando o poncho para mostrar a marca avermelhada no lugar em que Katherin espetou meu braço no meio da demonstração.
Anahi dá uma olhada rápida na marca.
  — Espero que você tenha diminuído o prazo de entrega do manuscrito dela por causa disso.
Tem certeza de que era o Justin? Não era outro cara branco de cabelo castanho?
Quer dizer, imagino que um cruzeiro seja...
  — Anahi, eu conheço a cara do Justin.
  — É, bom... — diz ela, abrindo bem os braços e deslizando os layouts pela mesa.
  — Não acredito nisso. É um anticlímax enorme. Achei mesmo que sua história ia acabar com sexo no beliche de uma cabine. Ou no deque!
Ou, ou, ou no meio do mar, num bote!

Na verdade, o que aconteceu foi que passei o restante da aula em um suspense paralisado, em pânico, tentando desesperadamente fingir que estava ouvindo as instruções de Katherin — "Levante os braços, Dulce!", "Cuidado com o cabelo, Dulce!" — e, ao mesmo tempo, manter os olhos nos fundos da sala. Realmente achei que tinha imaginado aquilo.
Qual era a probabilidade? Quer dizer, eu sei que o cara gosta de cruzeiros, mas é um país muito grande. Há muitos navios pela costa.

  — Me conte de novo — pede Anahi — sobre o olhar.
  — Ah, não sei explicar — respondo, pousando a testa nas folhas à minha frente. — É que eu... conheço aquele olhar da época em que a gente estava junto. — Meu estômago se revira. — Foi muito estranho.
Quer dizer, meu Deus, a namorada dele, quer dizer, a noiva...
  — Ele viu você na outra ponta de uma sala lotada, seminua, sendo a Dulce que todos conhecemos, se divertindo com uma autora excêntrica de meia-idade... e se lembrou dos motivos que o fizeram gostar de você — conclui Anahi. — Foi isso que aconteceu.
  — Não foi...

Mas o que havia acontecido ali? Alguma coisa, com certeza. Aquele olhar não foi à toa. Sinto uma onda de ansiedade nas costelas. Mesmo depois de uma noite pensando nisso, ainda não consigo entender como me sinto. Uma hora, o fato de Justin ter aparecido em um cruzeiro e olhado nos meus olhos me parece o momento mais romântico e decisivo possível e, na outra, percebo que estou tremendo, enjoada.
Fiquei ansiosa durante toda a viagem de volta — fazia algum tempo que não saía de Londres sozinha, a não ser para visitar meus pais. Justin tinha medo porque eu sempre pegava o trem errado e era muito fofo e viajava comigo, para evitar que isso acontecesse. Por isso, enquanto esperava sozinha na estação de Southampton, na noite escura, tive certeza absoluta de que acabaria tomando o trem para o outro lado do país ou alguma coisa assim.
Pego o telefone para conferir as mensagens — esta "reunião" com Anahi só estava prevista para durar meia hora, e eu realmente preciso editar os três primeiros capítulos de Katherin.
Tenho uma mensagem.

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