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DULCE

Ai, meu Deus.
   Acho que nunca me senti tão mal. É pior que a ressaca que tive depois dos vinte e cinco anos da Anahi. É pior que aquela vez na faculdade em que bebi duas garrafas de vinho e vomitei na porta da sala dos funcionários. É pior que gripe suína.
   Ainda estou usando o vestido da Alice. Dormi por cima do edredom, embaixo apenas da colcha da feira de Brixton. Pelo menos tive a prudência de tirar os sapatos e deixá-los perto da porta.
   Ai, meu Deus.
  Meus olhos encontraram o despertador. Ele está indicando um horário que não pode estar certo. Está dizendo 08h59. Tenho que estar no trabalho em um minuto. Como foi que isso aconteceu? Eu me levanto correndo, o estômago revirado e a cabeça girando e, enquanto vasculho o quarto inteiro atrás da minha bolsa — ah, que bom, pelo menos não a perdi, e, ah, isso, aspirina! —, eu me lembro de como tudo começou.
    Voltei para o bar depois de fugir de Justin e tirei Anahi de perto do barman para chorar com ela por um tempo. Ela não era a melhor pessoa para conversar — é a única que ainda torce pelo Time Justin (não mencionei a lembrança estranha sobre o beijo. E também não quero pensar nisso). De início, Anahi me mandou voltar e ouvir o que ele tinha a dizer, mas depois aceitou minha estratégia de mexer com a ansiedade dele, que Katherin também aprovou. Ai, meu Deus, contei isso para a Katherin...
   Engulo uma aspirina e tento não vomitar. Será que passei mal ontem à noite? Tenho lembranças vagas e desagradáveis de estar próxima demais de um assento de privada no banheiro daquele bar.
   Mando uma mensagem rápida, me desculpando com o chefe do editorial, em pânico. Nunca me atrasei tanto para o trabalho e todo mundo vai saber que foi por causa da ressaca. Se não souberem, tenho certeza de que Martin vai adorar esclarecer isso para todos.

Não posso trabalhar assim, percebo em meu primeiro momento de clareza desta manhã. Preciso tomar banho e trocar de roupa. Abro o zíper e jogo o vestido longe, já pegando a toalha pendurada na porta.
  Não ouço o chuveiro ligado. Há um zumbido constante em meus ouvidos que já se parece com água correndo, e estou tão nervosa que acho que não notaria se meu elefante de pelúcia ganhasse vida na poltrona e começasse a gritar que preciso de um suco detox.
   Só percebo que Christopher está no chuveiro quando o vejo. Nossa cortina é quase opaca, mas dá pra ver um pouco. Tipo um contorno.
   Ele reage de forma natural: entra em pânico e abre a cortina para ver quem está ali. Nós nos encaramos.
A água continua correndo.
   Christopher desperta do transe mais rápido do que eu e fecha a cortina outra vez.

   — Ahhh — diz.
Parece mais um gargarejo do que uma palavra.
Estou com uma lingerie extremamente pequena, de renda. Nem me enrolei com a toalha — ela está pendurada no meu braço. De algum modo, isso parece muito pior do que estar nua.
Estava tão perto de não me expor, e ao mesmo tempo tão longe.
   — Meu Deus! — grito. — Desculpa!
Ele desliga o chuveiro. Provavelmente não consegue me ouvir com o barulho. Vira de costas para mim.
O fato de notar isso me faz perceber que eu realmente deveria parar de olhar para o contorno atrás da cortina. Também dou as costas para ele.
   — Ahhh — diz ele outra vez.
  — Eu sei. Meu Deus.
Não foi assim... que imaginei que ia conhecer você.
Eu me encolho.  Isso soou meio animado.
   — Você... — começa ele.
   — Não vi nada — minto, rápido.
   — Ótimo. Tudo bem.
Nem eu.
   — Eu deveria...
Estou muito atrasada para o trabalho.
   — Ah, precisa tomar banho?
   — Bom, eu...
   — Já terminei — explica ele.
Estamos um de costas para o outro.
Tiro a toalha do braço e me enrolo com ela — um pouco tarde demais.
   — Bom, se você diz...
   — Aham.
Preciso da toalha — pede ele.
   — Ah, claro — respondo, tirando a toalha do gancho e me virando.
   — Fecha os olhos! — grita ele.
Travo e fecho os olhos.
   — Estão fechados!
Estão fechados!
Sinto Christopher pegar a toalha da minha mão.
   — Tudo bem.
Pode abrir de novo.

Ele sai do chuveiro.  Quer dizer, agora está coberto, mas não está usando muita coisa. Dá para ver o peito dele, por exemplo. E grande parte da barriga.
   Ele é alguns centímetros mais alto do que eu. Mesmo molhado, o cabelo cacheado e grosso não assenta; está preso atrás das orelhas e pingando nos ombros. O rosto tem traços finos e os olhos são bem castanhos, alguns tons mais escuros que sua pele. Ele tem rugas de expressão e suas orelhas são levemente de abano, como se tivessem se acostumado à posição por sempre manterem o cabelo longe do rosto.
  Ele se vira de lado para passar por mim. Está fazendo o melhor que pode, mas não há espaço para nós dois, e, no caminho, a pele quente de suas costas esbarra em meu peito. Inspiro fundo, esquecendo a ressaca. Apesar do sutiã de renda e da toalha entre nós, minha pele fica arrepiada e sinto um frio na barriga, onde todas as melhores sensações costumam ficar.
   Christopher olha para mim por sobre o ombro, um olhar intenso, meio curioso, meio nervoso, que deixa meu rosto quente. Não posso evitar. Quando ele se vira para a porta, olho para baixo, para a toalha em sua cintura.
   Ele... Isso parece...
   Não pode ser. Deve ser a toalha enrolada.
   Ele bate a porta, e eu sento na borda da banheira por um instante. A realidade dos últimos dois minutos é tão dolorosamente vergonhosa que me pego dizendo "Ai, meu Deus" em voz alta e apertando os olhos com as palmas das mãos. Isso não ajuda minha ressaca, que voltou com tudo agora que o homem nu saiu do banheiro.
   Caramba. Estou toda vermelha, nervosa, arrepiada e sem fôlego — não, estou excitada. Não tinha previsto isso. Com certeza essa situação foi incômoda demais para me deixar excitada. Sou uma adulta! Não posso lidar com um homem nu? Deve ser só porque não transo há muito tempo. É biológico, tipo quando o cheiro de bacon faz a gente salivar, ou segurar um bebê no colo faz a gente querer abandonar a carreira e começar a procriar imediatamente.
   Em pânico, eu me viro para o espelho e limpo o embaçado para ver meu rosto pálido e abatido. O batom penetrou na pele seca dos meus lábios, e a sombra e o lápis se misturaram em uma mancha preta ao redor dos olhos. Pareço uma criança que tentou usar a maquiagem da mãe.
    Solto um grunhido. Que desastre. Não poderia ter sido pior. Estou horrível, e ele estava maravilhoso. Penso no dia em que olhei o Facebook dele — não me lembro de Christopher ser bonito. Como não notei isso? Ai, meu Deus, e que diferença faz?
É o Christopher. Meu colega de apartamento.
Que tem namorada.
   Bom, preciso mesmo tomar banho e ir para o trabalho. Posso lidar com meus hormônios e com toda a situação absurda e estranha em relação ao apartamento amanhã.
Caramba.
Estou muito atrasada.

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