DULCE
Estou sentada na varanda, chorando feito uma criança que deixou o sorvete cair. Um choro desesperado, alto, de boca aberta.
As lembranças repentinas estão chegando em momentos totalmente aleatórios agora, surgindo do nada e me deixando em choque. Esta foi especialmente horrível: eu estava tranquila, esquentando sopa e, BAM, ela surgiu — a noite em que Justin foi para casa, antes da mensagem no Facebook, e levou a Patricia. Ele me olhou com nojo e mal disse uma palavra para mim. Então, quando Patricia estava no corredor, ele se despediu de mim com um beijo na boca, uma das mãos na minha nuca. Como se eu fosse dele. Por um instante, enquanto lembrava, senti, horrorizada, que ainda era.
É isso. Apesar de estar tecnicamente muito mais feliz, essas lembranças ficam voltando e estragando tudo. Está claro que tenho problemas a enfrentar e minhas táticas de diversão não estão mais funcionando. Tenho que pensar sobre isso.
Pensar significa que preciso de Chris e Maite. Eles chegam juntos, mais ou menos uma hora depois de eu mandar a mensagem. Enquanto Maite serve taças de vinho branco para nós, percebo que estou nervosa. Não quero falar. Mas, quando começo, não consigo parar e tudo sai em uma enorme confusão distorcida: as lembranças, das coisas antigas do início até as flores que ele me mandou na semana passada.
Por fim, paro, exausta. Bebo o resto do vinho na taça.— Vou ser bem direta — diz Maite, que nunca foi nada além de direta. — Você tem um ex-namorado maluco e ele sabe onde você mora.
Meu coração dispara; parece que há algo preso em meu peito.
Chris lança um olhar para Maite que normalmente apenas ela pode lançar para outras pessoas.
— Deixa que eu falo e você se encarrega do vinho, pode ser?
Maite parece ter levado um tapa. Mas então, curiosamente, ela vira a cabeça para o outro lado e, de onde estou sentada, posso ver que está sorrindo.
Estranho.
— Eu queria não ter dito que ia sair com ele em outubro — digo, encarando o rosto atento de Chris. — Por que eu disse isso?
— Não sei se você disse mesmo, não é? Acho que ele preferiu entender desse jeito — responde Chris. — Mas você não tem que se encontrar com o Justin.
Não deve nada a ele.
— Vocês dois se lembram de tudo isso? — pergunto, de forma abrupta. — Não estou imaginando coisas?
Chris faz uma pausa, mas Maite não perde um segundo.
— Claro que a gente lembra. Eu me lembro de cada minuto. Ele era horrível com você. Dizia onde você tinha que estar e como chegar lá e depois levava você porque você não ia conseguir achar o caminho sozinha. Ele fazia com que toda briga fosse culpa sua e não desistia até você pedir desculpa. Largava você e voltava do nada. Ele disse que você era gorda e estranha e que ninguém mais ia querer ficar com você, apesar de você claramente ser uma deusa e ele ter sorte de ser seu namorado.
Era horrível. A gente odiava o cara. E, se você não tivesse me proibido de falar sobre ele, eu teria dito isso todos os dias.
— Ah... — exclamo, baixinho.
— Para você foi assim mesmo? — pergunta Chris, com uma cara de faz-tudo que tem poucas ferramentas para tentar consertar os danos causados pela explosão de uma bomba.
— Eu... me lembro de ser muito feliz com ele.
Além de ser, tipo, infeliz pra cacete.
— Ele não tratava você mal o tempo todo — começa Maite.
— Ele não teria conseguido manter você ao lado dele assim — continua Chris. — Ele sabia disso.
É um cara esperto, Dulce. Ele sabia como...
— Manipular você — completa Maite.
Chris se encolhe com a escolha de palavras.
— Mas acho que a gente foi feliz um dia.
Não sei por que isso parece importante. Não gosto de pensar que todo mundo me via em um relacionamento e achava que eu era uma idiota por estar com alguém que me tratava tão mal.
— Claro — responde Chris, assentindo.
— Especialmente no início.
— Isso — digo. — No início.
Bebemos o vinho em silêncio por um tempo.
Eu me sinto estranha.
Como se devesse chorar, e meio que quero chorar, mas há uma rigidez estranha em meus olhos que torna as lágrimas impossíveis.
— Bom. Obrigada. Sabe, por tentarem.
E desculpem por... ter feito vocês pararem de falar sobre ele — falo, olhando para meus pés.
— Tudo bem. Pelo menos isso significava que você ainda falava com a gente — afirma Chris.
— Você precisava chegar a essa conclusão sozinha, Dulce. Por mais tentador que fosse te arrancar dele, você simplesmente ia voltar.Reúno coragem e olho para Maite. Ela me encara; sua expressão é intensa. Não posso imaginar como foi difícil para ela manter a promessa e não mencionar Justin.
Eu me pergunto como Chris a convenceu a me deixar fazer isso sozinha. Mas ele estava certo: eu teria afastado os dois se eles me dissessem para largar Justin. Eu me sinto mal só de pensar.— Você está indo muito bem, Dul — diz Chris, enchendo minha taça. — Continue o processo de descoberta.
Pode ser difícil lembrar o tempo todo, mas é importante.
Então faça o melhor que puder.• • •
Quando Chris diz alguma coisa, ela se torna verdade.
É muito difícil lembrar. Uma semana sem lembranças repentinas e aparições aleatórias de Justin e eu cedo. Fraquejo. Quase desabo e decido que inventei toda essa história.
Por sorte, tenho Mo para conversar comigo. Analisamos incidentes a partir das minhas lembranças — brigas aos berros, provocações sutis, maneiras ainda mais sutis de minar minha independência. Não consigo acreditar em como meu relacionamento com Justin não era saudável, mas, pior do que isso, não consigo acreditar que eu não notava. Acho que vou levar um tempo para aceitar.
Graças a Deus tenho amigos e colegas de apartamento. Leon não faz ideia de que isso tudo esteja acontecendo, claro, mas parece ter percebido que preciso me distrair — ele está cozinhando mais e, quando ficamos sem nos falar por um tempo, ele começa outra série de bilhetes. Era sempre eu que fazia isso; tenho a sensação de que começar uma conversa não é algo que Leon gosta de fazer, no geral.
Há um bilhete na geladeira quando chego em casa do trabalho com Anahi, que veio jantar aqui (ela diz que devo uma série infinita de refeições para ela porque estraguei sua vida ao comprar os direitos de Crochê para a vida):Busca por Johnny White indo de mal a pior. Fiquei caindo de bêbado com Johnny White IV em um bar sujo perto de Ipswich. Quase repeti nossa memorável colisão no banheiro: dormi demais e me atrasei muito. Bjos
Anahi ergue as sobrancelhas para mim, lendo por sobre meu ombro.
— Memorável, é?
— Ah, cala a boca. Você sabe o que ele quer dizer.
— Acho que sei mesmo. Ele quer dizer: não paro de pensar em você de calcinha e sutiã. Você pensa em mim pelado?
Jogo uma cebola nela.
— Seja útil e corte isso — digo, mas não posso deixar de sorrir.
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PÓS-IT | Vondy - Adaptação
RomanceDepois de três meses do fim do seu relacionamento, Dulce finalmente sai do apartamento do ex-namorado. Agora ela precisa encontrar o quanto antes um lugar barato onde morar. Contrariando os amigos, ela topa um acordo bastante inusitado. Enrolado com...