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DULCE

— Você está bem? — É a primeira pergunta de Christian.
— Já foi àemergência? Maite, por outro lado, está concentrada no que importa.
— Por que não contou para a gente sobre o encontro no banheiro?
Você está apaixonada por esse cara que dorme na sua cama e escondendo isso porque vai acabar dormindo com ele e eu já expliquei-te a principal regra para dividir apartamento é não transar com apessoa que mora com você?
— Estou bem e, não, não fui à emergência, mas o Christopher examinoumeu tornozelo com a ajuda de uma amiga que é médica. Pelo visto, só preciso de descanso. E de uísque, dependendo de quem der a opinião médica.
— Agora responda à minha pergunta — pede Maite.
— Não, não estou apaixonada por ele — digo, mudando de posiçãona cama e sentindo um arrepio quando meu tornozelo lateja.
— E não vamos transar. Christopher é meu amigo.   — Ele é solteiro?
— Bom, é, na verdade. Mas...
— Desculpa, mas só para garantir, Dulce, alguém examinou...
— Ah, cala a boca, Christian — interrompe Maite. 
— Ela está acompanhada de um enfermeiro. Dulce está ótima. Agora, você  tem certeza de que não está sofrendo de síndrome de estocolmo?
— Oi?— Um enfermeiro de emergência é muito diferente de um enfermeiro de cuidados paliativos... — Síndrome de estocolmo? — pergunto, interrompendo Christian.
— É — explica Maite. — Esse cara ofereceu a casa dele quando você estava desabrigada.
Você é forçada a dormir na cama dele e agora acha que está apaixonada.
— Eu não acho que estou apaixonada.
Já falei que Christopher é meu amigo.
— Mas vocês tiveram um encontro.
— Dulce, você parece bem, mas preciso conferir — diz Christian. — Estou procurando na internet.
Você consegue pôr peso no tornozelo?
   — Você e o Google não são melhores que um enfermeiro com oauxílio de uma médica — explica Maite.
   — Não era um encontro — digo, apesar de ter quase certeza de que era.

  Queria que Christian e Maite não tivessem adquirido esse novo costumede atender o telefone juntos toda vez que estão em casa. Liguei para Christian porque queria falar com Christian. Não é que não goste de falar com Maite, mas é uma experiência muito diferente — e não necessariamente algo que gostaria de fazer depois de quase me afogar.

  — Você vai ter que explicar essa história toda de Johnny White paramim de novo — pede Maite.
Confiro a hora no telefone.
Apenas cinco minutos até Christopher voltarcom o almoço.
   — Olhem, tenho que ir. Mas, Christian, eu estou bem. E, Maite, acalme seus instintos protetores, por favor. Ele não está tentando dormir comigo nem me prender e me trancar no porão, está bem?
Na verdade, não tenho motivo nenhum para pensar que ele estáinteressado em mim.
  — Mas você está interessada nele? — insiste Maite. 
  — Tchau, Maite.
  — Se cuide, Dulce — Christian consegue dizer antes de Maite desligar (ela não é boa com despedidas).
Digito o número de Anahi sem nem pestanejar.

• • •

  — Bom, o principal aqui — diz Anahi — é que você ainda não conseguiu interagir com Christopher sem tirar a roupa e ficar de calcinha e sutiã.
  — Hum...Estou sorrindo.
  — É melhor você ficar vestida a partir de agora.
Ele vai achar que você é uma... Como é que as pessoas chamam aqueles homens que gostam de ficar se expondo no parque?
  — Ei! — reclamo.
   — Eu não...— Só estou dizendo o que todo mundo está pensando, amiga.
Você tem certeza de que não vai bater as botas?
  — Estou ótima.
Só dolorida e exausta.
   — Tudo bem, então.
Nesse caso, aproveite ao máximo sua hospedagem grátis e me ligue caso acabe tirando o sutiã por acidente durante o jantar.
Ouço uma batida à porta.
  — Merda.
Tenho que ir, tchau! — sibilo para o telefone.
   — Pode entrar!

Consegui vestir o casaco que Babs me deixou enquanto Christopher estava fora, então estou coberta da cintura para cima, pelo menos.
Christopher sorri e ergue uma sacola muito cheia, com cheiro de peixe ebatata frita.
Suspiro, maravilhada.

  — Comida de praia de verdade!
   — E...Ele põe a mão na sacola, tira outra e entrega para mim.
Olhodentro: cupcakes red velvet com cobertura de cream cheese.
— Bolo! O melhor tipo de bolo!
— Ordens médicas. — Ele faz uma pausa.
— Bom, Socha disse: "Faça com que ela coma."
O peixe frito e os cupcakes foram certa licença poética.
O cabelo dele está quase seco. Ainda mais lindo por causa do sole não para de sair de trás das orelhas.

Christopher me flagra olhando enquanto ele tenta colocar os cachos para trás e abre um sorriso triste.

  — Você não deveria me ver assim — diz ele.
  — Ah, e era exatamente assim que eu queria que você me visse —respondo, apontando para o enorme casaco largo, o rosto pálido e cabelo lambido e desgrenhado.
  — "Rato afogado" é meu visualfavorito.
  — Tipo sereia? — sugere Christopher.
  — Engraçado você mencionar isso.
Tenho mesmo uma barbatana aqui embaixo — digo, batendo de leve no cobertor sobre minhas pernas.

Christopher sorri ao ouvir isso, abrindo a embalagem com o peixe e as batatas fritas entre nós na cama. Ele tira os sapatos e se senta,tomando cuidado para não esbarrar no meu tornozelo inchado.
A comida está ótima. É exatamente do que eu precisava, mas só notei ao sentir o cheiro. Christopher pediu quase todos os acompanhamentos— creme de ervilha, anéis de cebola, molho curry, picles de cebola, até aquelas salsichas que parecem de plástico que eles sempre têm atrás do balcão —, e nós comemos tudo. Quando chega a hora do cupcake,terminar os últimos bocados exige certo esforço.

  — Quase morrer é exaustivo — declaro, dominada de repente pelo sono.
  — É melhor você dormir — diz Christopher.
  — Você não está com medo de eu dormir e nunca mais acordar? —pergunto, as pálpebras já se fechando.
Estar aquecida e alimentada é incrível. Nunca mais vou subestimarisso.
  — Vou acordar você a cada cinco minutos para conferir se não tevenenhum trauma cerebral.
Meus olhos se arregalam.
  — A cada cinco minutos?
Christopher ri, já reunindo as coisas dele e seguindo para a porta.
  — Vejo você daqui a algumas horas.
  — Ei, enfermeiros não deveriam fazer piadas!
   — grito, mas achoque ele não me ouviu.
Talvez eu só tenha pensado em dizer isso. Já estou caindo no sono quando ouço a porta se fechar.

• • •

  Acordo com um sobressalto que provoca uma onda de dor. Solto um berro e olho em volta. Papel de parede floral. Estou em casa? Quem é aquele homem na cadeira perto da porta, lendo...
 
  — Crepúsculo? Christopher pisca para mim, pousando o livro no colo.
  — Você passou da inconsciência à crítica muito rápido.
  — Por um instante, achei que fosse um sonho estranho. Mas, no meu sonho, você teria um gosto muito melhor para livros.
  — Era tudo que Babs tinha.
Como está se sentindo?
Penso um pouco na pergunta.

Meu tornozelo está latejando e minhagarganta está ardida e seca, mas a dor de cabeça passou. No entanto,sinto que os músculos da minha barriga vão ficar doloridos de tanto tossir.

   — Muito melhor, na verdade.Ele sorri.
Christopher fica muito bonito quando sorri. Quando está sério,seu rosto fica um pouco severo — testa, maçãs e mandíbula delicadas—, mas, quando sorri, só vemos os lábios macios, os olhos escuros e osdentes brancos.
Olho a hora no telefone, mais para desviar o olhar do que qualquer coisa — de repente tenho muita consciência de que estou deitada emuma cama, o cabelo lambido e as pernas nuas semiescondidas pelos cobertores.
  — Já são seis e meia?
   — Você estava com sono.
   — E o que você ficou fazendo esse tempo todo?Christopher me mostra o marcador de livro.
Ele leu Crepúsculo quase todo.
   — Essa Bella Swan é muito popular para alguém que se declara tão feia. Parece que o único homem do livro que não se apaixona por ela é0 pai.
Eu assinto, solene.
  — É muito difícil ser a Bella.
  — Ter um namorado que brilha não deve ser fácil — concorda Christopher.
  — Você quer tentar dar uns passos?
   — Não posso ficar na cama para sempre?
   — Há um jantar e mais uísque esperando por você se conseguir descer a escada.

Lanço um olhar para ele. Christopher me olha de volta, absolutamenteplácido, e percebo que ele deve ser um ótimo enfermeiro.

  — Tudo bem.
Mas você vai ter que olhar para o outro lado para eu colocar a calça.Ele não comenta que já viu coisas demais e que não precisa se virar;simplesmente me dá as costas e volta a abrir Crepúsculo.

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