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CHRISTOPHER

Braços bem abertos, pernas afastadas.
Uma agente penitenciária de rosto sério me revista com bastante entusiasmo. Desconfio que me encaixe no perfil dela de pessoa que pode trazer drogas ou armas para a sala de visitas. Imagino a mulher repassando seu checklist mental.

Gênero: Masculino.
Raça: Indeterminada, mas ligeiramente mais moreno do que seria preferível.
Idade: Jovem o bastante para fazer besteira. Aparência: Desleixado.

  Tento sorrir de maneira não ameaçadora, como um cidadão de bem. Se parar para pensar, provavelmente pareço arrogante. Começo a me sentir um pouco enjoado. A realidade daqui penetra em mim apesar do esforço que fiz para ignorar rolos de arame farpado sobre grades grossas de aço, prédios sem janelas, placas agressivas sobre consequências de traficar drogas para prisões.
Ainda não consigo evitar o mal-estar, apesar de fazer isso pelo menos uma vez por mês desde novembro.
O caminho da revista até a sala de visitas talvez seja a pior parte. É composto por um labirinto de concreto e arame farpado e, durante todo o percurso, somos guiados por guardas diferentes que estão sempre tirando chaveiros do cinto para abrir portões e portas que precisam ser trancados antes que a gente dê um passo em direção aos seguintes. É um lindo dia de primavera. O céu, com seu azul provocador, mal pode ser visto acima das cercas.
A sala de visitas é melhor. Crianças correm entre mesas ou são erguidas, aos gritos, por pais musculosos. Prisioneiros usam macacões de cores vivas que os diferenciam do resto de nós. Homens usando o laranja vibrante se aproximam mais das namoradas do que permitem as regras rígidas, dedos entrelaçados com força. Há mais emoção aqui do que em um saguão de aeroporto.
Simplesmente amor perdeu uma boa oportunidade.
Eu me sento na mesa designada. Espero. Quando trazem Poncho, meu estômago se revira de forma estranha, como se quisesse ficar do avesso.
Ele parece cansado e sujo, rosto encovado, cabeça raspada às pressas.
Está usando a única calça jeans que tem — não quer que eu o veja com o moletom da prisão —, mas ela está folgada demais na cintura.
Odeio isso, odeio isso, odeio isso.

Levanto e sorrio, abrindo os braços para abraçá-lo. Espero que ele venha até mim; não posso deixar a área designada. Guardas estão perfilados diante das paredes, observando de perto, rostos inexpressivos.

  Poncho, me dando um tapa nas costas: E aí, mano, você está ótimo!
  Eu: Você também.
  Poncho: Mentiroso. Estou uma merda.
A água foi cortada depois de uma briga na Ala E. Não tenho a menor ideia de quando vão abrir de novo, mas até lá não recomendo que use o banheiro.
  Eu: Beleza. Como você está?
  Poncho: Ótimo. Teve notícias do Sal?
Achei que pudesse evitar o assunto por pelo menos um minuto.
  Eu: Tive. Ele pediu desculpa pelos documentos que estão atrasando a audiência de apelação, Poncho.
Ele está correndo atrás disso.
O rosto de Poncho se fecha.
  Poncho: Não posso ficar esperando para sempre, Ucker.
  Eu: Se quiser posso tentar achar outro advogado.
Silêncio triste.
Poncho sabe tão bem quanto eu que isso provavelmente só vai atrasar ainda mais o processo.
  Poncho: Ele conseguiu a gravação do circuito interno do mercado?
Será que ele pediu essa gravação?
Estou começando a duvidar, apesar de ele ter dito que pediu.
Esfrego a nuca, olho para baixo, desejo cada vez mais que Poncho e eu estivéssemos em qualquer outro lugar.
  Eu: Ainda não.
  Poncho: Essa é a solução, cara, estou dizendo.
A câmera do mercado vai mostrar a eles.
Eles vão ver que não sou eu.

Queria que fosse verdade. Mas será que as imagens são de alta resolução? Qual é a probabilidade de serem nítidas o bastante para contrapor a identificação das testemunhas?
Falamos sobre o pedido de apelação por quase uma hora. Não consigo tirar o assunto da cabeça dele. Análises, provas ignoradas, sempre a história da gravação do mercado. Esperança, esperança, esperança.
Vou embora com as pernas tremendo, pego um táxi até a estação. Preciso de açúcar. Trouxe na mochila o tiffin que Dulce fez; como umas três mil calorias enquanto o trem corre pelo interior, um campo plano após outro, me levando para longe do meu irmão e de volta para o lugar onde todos já se esqueceram dele.

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