29 - Imprudência

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- Você saiu. - A voz de Bianca me faz paralisar ao lado da porta aberta.

- É. - Tranco a porta e jogo minha mochila no chão. - Tenho um amigo advogado que me devia uns favores. - Dou de ombros e me aproximo.

Ela estava com as roupas de dormir e com a cara amassada de sono, uma xícara de café pela metade e um pão intocado em sua frente.

- Olha, Cassandra, eu não quis ser ruim ou parecer rude, eu só estava cansada para lidar com aquilo e...

- Está tudo bem Bia. - Sorrio gentilmente para ela que assente em silêncio enquanto serve outra xícara de café.

- E não te julguei por causa da maconha, apesar de ter parecido. Você já é adulta e sabe o que faz. - Desliza a xícara pela mesa e me oferece em silêncio.

- Não que eu saiba realmente o que eu faço. - Sorrio e bebo um pouco do café. - Mas não precisa se preocupar, eu me acho na minha imprudência.

- Desculpa, poderia ter feito mais....

- Não precisa se desculpar, ok? - Interrompo sua fala e puxo uma cadeira sentando ao seu lado. - Eu também não lidaria comigo naquele momento e não sou responsabilidade sua, tá tudo bem.

- Eu sei que você se acha na sua imprudência, e que eu não tenho nada haver, mas precisava ser tanta assim? - Ela pergunta confusa, me fazendo rir alto.

- Não tenho como me defender, apesar de querer. - Aponto em sua direção e ela ri. - Como você está? -Mudo o rumo da conversa e seu semblante despreocupado some.

- Não sei... a nossa conversa me fez bem mas me fez ficar reflexiva. Ao mesmo tempo que foi bom, mexer no passado trouxe as dores de volta, parece tudo tão recente. - O pesar em sua voz doeu dentro de mim.

Queria poder tirar essa dor dela, que ela não precisasse sentir e lidar com tudo isso sozinha. Ao mesmo tempo que queria acabar com a raça daquele desgraçado e faze-lo sentir exatamente a mesma dor que causou na minha principessa. Se eu não fosse uma mulher com valores, eu juro que iria devolver exatamente na mesma moeda, por dias.... anos quem sabe.

- Queria poder fazer mais por você, Bia. - Me sinto ridícula por ser o máximo que consigo dizer.

- Você já fez mais do que muitos, só de ter dividido esse fardo com alguém, já me sinto bem melhor. - Ela segura minha mão sobre a mesa e sorri.

- Você nunca contou pra ninguém? - Não consigo disfarçar minha surpresa.

Bianca.

- Viveu com esse peso sozinha todos esses anos? - Sua pergunta me deixa desconfortável, mas não posso fugir de um assunto que eu mesma comecei, e nem quero.

- Sim. Nunca falei pra ninguém ou fiz uma denúncia, não achei que fossem acreditar em mim. Principalmente por que ele sempre foi tão bom comigo. - Sinto a raiva começar a me consumir, dividindo espaço com a impotência. - Quem acreditaria que o homem que sempre foi como um pai pra mim iria... me abusar.

- Eu acredito! -Cassandra se exalta, e eu entendo sua revolta, mas é diferente. - E pode ser que sua família também acreditasse apesar de tudo. - A ruiva fecha os olhos e respira fundo. - Ok, tudo bem. Não estou te julgando, jamais faria isso. É só muito pra lidar sozinha.

- Bom! - Levanto de uma vez batendo as mãos na mesa. - Não consegui fazer minha mãe mudar de ideia. O Pedro realmente não vem, pelo menos não esse ano.

- Vão fazer 5 meses que você está aqui. - Ela pontua sem acreditar.

- Parece que foi ontem que cheguei aqui.... e ainda sim pra ela, eu não estou estável o suficiente para trazer-lo para cá. - Jogo o cabelo para trás, tentando liberar um pouco do estresse. - Não tem nada que eu possa fazer a não ser trabalhar mais.

- Mais? - Ela caminha na minha direção e para a centímetros de distância, me deixando levemente nervosa. - Você pega caso atrás de caso Bianca, mal consegue descansar entre um e outro. Talvez esteja pulando etapas. - Sua voz mansa não consegue disfarçar o puxão de orelha. E sim, talvez eu esteja me ocupando demais entre um caso e outro, desarquivando processos e lidando praticamente sozinha com a re-investigação, mas eu não ligo.

-Eu estou bem. - Descanso as mãos em sua cintura, acalmando a minha carência de afeto físico. - Pode não parecer, mas estou bem. Essa é a minha forma de lidar com as frustrações, prefiro trabalhar do que ficar pensando o tempo todo nessas coisas.

Cassandra solta o ar com força e me observa em silêncio por um tempo, o silêncio não é desconfortável, pelo contrário, me sinto acolhida na pequena bolha em que nós colocamos. O conforto e uma pequena pontinha de desejo que grita lá no fundo dividem espaço dentro de mim. Desde a nossa conversa, que não sinto a vontade absurda de beijá-la, e talvez, só talvez seja a consequência de me matar de trabalhar e as sumidas ocasionais dela.

- Se você precisar de algo, sabe que pode contar comigo, certo? - Sorrio e concordo em silêncio. - Ok, tudo bem então. - Ela sussurra e quebra a pequena distância com um abraço.

Sinto meu corpo derreter dentro de seus braços, e é como se nada mais existisse, meu coração está leve e minha mente vazia, sem qualquer preocupação ou qualquer tipo de frustração. Somos apenas nós duas, eu e ela, ali sozinhas e o resto de mundo simplesmente não existe.

As borboletas que estou sentindo na barriga são perigosas demais, não devia me permitir sentir esse tipo de coisa, não a essa altura, com a minha carreira se estabilizando, a minha vida começando a caminhar para onde quero, com a ideia de trazer os meus irmãos pra perto de mim. Isso é perigoso demais, não estou acostumada com esse tipo de coisa, mas o perigoso é mais gostoso... é o que sempre dizem, e pela primeira vez, eu não sei se quero seguir o caminho exatamente certo, pela primeira vez, em muito tempo na minha vida, eu quero sentir, correr perigo, principalmente não estando sozinha.

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