20 - Vida normal

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O resto do dia foi tranquilo, Bia adiantou a folga pra ficar comigo em casa e ter certeza que estou me cuidando, palavras dela. Ela fez uma comida levinha e passamos o dia todo assistindo filme praticamente. Estava no sofá da sala quase dormindo enquanto Bianca foi no quarto pegar algo, quando um estrondo na porta da frente me fez cair do sofá de susto.

- Caralho. - Murmuro soltando o ar sentindo a dor alucinante na costela.
Levanto o rosto pra ver quem são os desgraçados que derrubaram a minha porta e não me surpreendo ao ver Antônio e mais três idiotas parados.

- Cassandra... - Bianca me chama da cozinha com a voz alarmada.

Ótimo, ela pega a arma e todos morremos aqui, por nada.

Vou o mais rápido que posso em sua direção e me ponho a sua frente, segurando sua cintura com força para que ela não saia do lugar.

- Guarda a arma Bia. - Falo baixo sem tirar meus olhos do grupo de patetas na minha porta. - Por favor. - Insisto ao ver sua relutância mas ela cede e coloca a arma no cós do short. Policial parece que nasce com uma arma aclopada no corpo, né. Puta que pariu.

- Acho que precisamos conversar sobre meu filho. - Antônio quebra o silêncio com seu tom autoritário em um alemão arrastado.

- Pensei que tivesse mandado você superar isso, Marco foi preso e vai continuar lá por um tempo. - Me sinto tensa, normalmente não ligo pra essas situações, mas eles estão na minha casa, e a Bianca está aqui, sem contar que eu estou quebrada e não daria conta nem de começar uma briga.

- Você sabe que pode mudar essa situação, não seja egoísta Cassandra. - Grita fazendo meu sangue ferver, afundo meus dedos na pele de Bianca na tentativa de me manter calma.

- Essa sua insistência é egoísta, tirar seu filho da cadeia vai deixar a organização inteira exposta. - Sinto as mãos quentes de Bia rodearem meu braço, e isso me trás conforto de certa forma.

- Meu filho pegou 39 anos de prisão, você acha isso justo? - Mantém seu tom arrogante e eu juro que socaria a cara dele em outras circunstâncias.

- Levando em consideração a burrice que ele cometeu... Olha, ele pegaria mais se eu não pagasse a advogada que pago. E a ficha dele não era lá bem limpa né, esse foi o melhor acordo pra ele, quem sabe assim ele não fique longe de confusão por um tempo. - Meu corpo inteiro entra em alerta quando o stronzo da um passo a frente. - Devo te lembrar que você está na minha casa e eu sou sua chefe, faça alguma besteira e vocês pagam com a vida.

Bianca fica inquieta atrás de mim, o que me deixa aflita, estou literalmente esfregando a máfia na cara dela, correndo o risco de perder meu poder com essa facilidade ridícula e de um desses babacas machucarem ela.

Em que momento eu pensei que conseguiria viver uma vida normal em meio ao mundo que vivo? Estúpida. Talvez desistir de morar no prédio da máfia tenha sido mesmo uma decisão burra. Mas ninguém precisa saber disso agora, e nem depois, não vou dar o gostinho de estar errada a todos que me avisaram.

- Mais um passo e eu mando matar o seu filhinho, quem sabe assim você não para de encher a porra do meu saco. - Provoco irritada e ele paralisa no lugar, absorvendo minha ameaça.

- Você não faria isso, não tem esse poder.- Seu tom era sério mas já não tinha a mesma arrogância.

- Esse é exatamente o tipo de poder que eu tenho. Eu disse que ele vai ficar preso, então ele vai, se você vier me incomodar com esse assunto outra vez, ele morre e você vai receber a cabeça dele de presente. - Antônio respira fundo e passa as mãos nos fios completamente alinhados de seus cabelos. - Esse assunto se encerra aqui e você ficará um bom tempo sem fornecimento. Sai e não fala mais nada.

Ele bufa mas sai em complemento silêncio levando os trem brutamontes com ele. Levo as mãos ao rosto e tento controlar meu ódio. Nunca tive problemas como esse, ninguém se achava bom o suficiente pra vir até a minha casa resolver problemas da máfia, e agora que aconteceu uma vez não duvido que vão querer repetir, precisarei tomar medidas sobre isso.

- Cassandra... - A voz relutante de Bianca me trás de volta, respiro fundo e me viro para ela. - O que foi isso? - Sua voz sai baixa e agoniada, a aflição em seu rosto é visível.

Como vou dizer que não foi nada? Bianca não é burra, uma desculpa fraca não vai convencê-la.

- Pretinha... não tenho como explicar isso pra você, mas eu vou tentar. - Seguro sua mão e puxo uma cadeira com a outra, pedindo silenciosamente que sente, ela obedece sem questionar, com os olhos atentos sob mim, me ajoelho entre suas pernas e puxo o ar com força me sentindo encurralada.. - A um tempo atrás minha família se envolveu com umas pessoas da pesada, pedindo uns favores e coisas do tipo... eu não tenho contato com eles, com praticamente ninguém da minha família, eles sumiram. Por isso que esses caras apareceram aqui dessa forma, estão cobrando de mim a dívida deles. - Despejo a primeira coisa que me veio na mente, espero que seja suficiente para ela acreditar, senão eu tô ferrada.

- Caralho... - É a única coisa que ela diz antes de desviar os olhos dos meus, parecia estar analisando a situação. - E o que podemos fazer pra resolver isso? Chamar a polícia? - Nem ela parecia validar a opção. - Como agente eu diria que sim, mas como Bianca, seriamos burras pra caralho se fizermos isso, saberiam que fomos nós e estaríamos mortas assim que voltássemos pra casa.

- Pelo menos nisso, você não vai insistir que eu faça algo, já não tem nada que eu possa fazer. - Suspiro cansada, perdendo meus olhos no chão, tentando me convencer por breves segundos que não poderia fazer nada. Eu precisava fazer alguma coisa.

Na verdade, ultimamente eu preciso fazer muitas coisas, preciso tomar decisões inteligentes como costumava fazer, agir como a maldita Don que sou. Detesto essa palavra, patriarcal, machista. Mas os meus problemas são maiores do que uma nomenclatura ridícula, tão ridícula que nem impõe respeito a esses imbecies mais.

Negligenciei minha segurança, minha posição, as regras básicas da máfia, e principalmente meu trabalho desde que Bianca chegou. Tentei equilibrar até demais uma vida que não me cabe, deixando situações importantes de lado, colocando em risco todo o império que construí com tanto afinco e suor. Demorei para fazer esses desgraçados me darem o devido respeito e quando consegui, agi como uma criança despreparada e sonhadora, me enfiando em uma fantasia que não poderia mais ser desfeita.

Havia colocado uma policial dentro de casa, e eu sempre soube disso. A troco de que? Eu não fazia a menor ideia. Um ato rebelde contra alguém que ousou dizer que não poderia fazer o que queria, e eu fiz uma burrada para provar que faria o que quisesse com o meu fudido poder. 

Mas essa afronta me trouxe de volta a realidade, esfregando na minha cara da pior forma possível que mesmo sendo Don, antes de qualquer coisa eu ainda era uma mulher, ainda tinha uma buceta no meio das pernas e que era reduzida sempre a apenas isso. E apesar de toda a violência que nunca tentei conter, esses idiotas ainda invadiam a minha casa, tentavam me matar, desobedeciam minhas regras, me ameaçavam, traiam e enviavam pacotes com duas cargas de uma só vez. Estavam todos tentando me fuder de alguma forma, mas eu os fuderia de volta.

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