Bianca
- Olha pirralho, eu sei que prometi que você viria em pouco tempo e principalmente que já faz um ano que estou aqui, mas não depende de mim, já falei com mamãe um milhão de vezes, ela simplesmente não quer que você venha. - Repito pela milésima vez apenas essa semana, enquanto abro a porta de casa.
- Você precisa tentar mais um pouco, Bia. - Pedro choraminga do outro lado.
- Nem seu pai quer tentar outra vez, a Helena está irredutível. A não ser que você a convença de vir pessoalmente, não tem jeito, você não vai vir me visitar nem tão cedo e eu posso menos ainda voltar para o Brasil agora.
- Vou ver o que posso fazer, já que você e o papai desistiram de mim. - O pirralho desliga antes mesmo que eu possa retrucar, encaro o celular incrédula e bato a porta com força.
Problemas na delegacia, em casa, comigo mesma, no Brasil, problemas em todo lugar, eu sinceramente não lembro a última vez em que pude simplesmente andar pelo parque, fazer Yoga, tomar um bom vinho enquanto vejo uma bela paisagem em paz. Tudo tomou uma proporção gigantesca, ao ponto de virar uma criminosa e apoiar outra.
Abro a garrafa sem me importar com o vinho quente e bebo diretamente na garrafa. Preciso de ajuda para colocar toda essa bagunça em ordem. Desbloqueio o celular ao senti-lo vibrar e clico na mensagem de Samuel.
"Como anda no lado bom da força, querendo desistir?" Reviro os olhos com sua curiosidade estúpida.
"Passei o dia inteiro estudando sobre o Ndrangheta, por favor não quero falar sobre isso, eu vou ficar maluca."
"O peso de fisgar um peixe grande bb, queria que pudesse compartilha-lo comigo..." Bloqueio o celular o jogando sobre o sofá com força.
Oito meses desde que acharam que eu seria uma boa soma nas investigações da Ndrangheta, e eu juro que quando aceitei não achei que passaria horas e horas e mais horas estudando e analisando cada passo que a polícia já registrou deles nos últimos 95 anos... ok, no mínimo nos últimos 10, o que já é muito. Já pararam pra pensar quantos crimes por segundo uma máfia comete? São muitos!
No começo achei que ajudaria nas investigações atuais, mas acharam que seria melhor se eu "estuda-se os padrões e a história", podia negar? Claro que não, parecia empolgante fazer parte do maior caso da delegacia. Alerta de spoiler: não é.
É desgastante e exaustivo, de embrulhar o estômago, em toda a minha carreira e experiência eu nunca vi tantas atrocidades cometidas pela mesma organização, provavelmente pela mesma pessoa.
Outro fato interessante: absolutamente ninguém sabe a verdadeira identidade da pessoa responsável, já houveram burburinhos, pessoas foram presas, torturadas e até mesmo assassinadas, mas nunca chegaram nem perto de prender "A Cabeça" da organização. E por algum motivo, acharam que eu iria enxergar algo que eles que estão investigando a anos não viram.
Será que eu realmente poderia ver além? Tá, eu já vi em alguns muitos casos, cada plantão parece durar 72h e cada minuto é completamente intenso e revelador... todos os registros de drogas e armas em grande quantidade apreendidas tem datas semelhantes ao passar dos anos. Nunca são as mesmas pessoas ou a mesma droga ou arma, pra não falar que não há semelhanças, apenas a quantidade é parecida.
Mesmo que façam de forma diferente, eles mantém um padrão.
Corro até o sofá a procura do meu celular, coloco a garrafa já pela metade em cima da mesa de centro e entro na minha galeria.
- Dia cinco de janeiro... seis de fevereiro...oito de março. - Passo os arquivos comparando as datas e a diferença é muito pouca. - 15kg de haxixe... 20 de coca... 18 de oxi... Por que quantidades tão baixas pra uma organização tão grande? 15kg de haxixe não compensa o investimento, se é pra transportar essa quantidade de um país para o outro... a Ndrangheta conseguiria muito bem produzir tudo isso por aqui mesmo... A não ser que... Porra!
- Alessia, é a Bianca, eu sei que largamos do plantão a pouco tempo mas eu estava analisando os documentos de apreensão.
- Tudo bem Bianca, pode falar.
- Analisei os dos últimos 12 meses, e todos eles são pontuais, dia cinco de janeiro, seis de fevereiro e oito de março, se você analisar as quantidades das drogas vai ver que não faz o menor sentido ser traficado de tão longe. Me diz, por qual motivo alguém que se mantém no anonimato a tanto tempo vai correr o risco de ser pego por 15kg de haxixe e 20 de coca?
- Prossiga, novata. - Reviro os olhos, esse termo não me cabe a mais ou menos uns 7 meses.
- A Ndrangheta consegue facilmente produzir essa quantidade de qualquer que seja a droga, lsd, crack, ecstasy, anfetamina, sairia mais barato e menos arriscado a produção do que a importação do outro lado do mundo.
- A não ser...
- A não ser que essa importação seja usada como cortina de fumaça para fazer uma entrega ainda maior. Me diz Alessia, qual a qualidade dessas drogas apreendidas? - Coloco a chamada no viva a voz e deixo o celular em cima da mesa, aproveitando para virar mais uma dose do vinho quente.
- Péssima, aposto que se formos ali na esquina conseguimos uma melhor.
- Exatamente! De baixa qualidade, de fácil acesso para enganar a polícia. Enquanto nos mantém ocupados com 20kg de coca de péssima qualidade, eles estão transportando 200 com tranquilidade, pois sabem que toda a atenção está focada nos 20.
- Muito bem Bianca, acabou de me provar que eu estava certa sobre você. Aproveite sua folga, estou voltando para delegacia agora, irei dar mais uma olhada nos papéis, enxergar os padrões e passarei a sua visão para frente.
Mais uma vez, a ligação é desligada na minha cara. Parece que hoje todo mundo resolveu enfiar a educação no cu. Termino a minha garrafa em silêncio e sem me importar do álcool estar batendo rápido demais por conta do meu estômago vazio.
Levanto com dificuldade, indo até a adega de Cassandra, pego uma garrafa qualquer e eu nunca tinha parado para perceber o tanto que uma rolha da trabalho pra sair.
- Precisando de ajuda, morena? - A voz repentina de Cassandra me faz virar bruscamente, derrubando a garrafa cheia no chão. - Merda... eu não queria te assustar, pensei que tivesse me ouvido chegar.
- Não estou ouvindo muita coisa, ruiva. - Ela confere as horas no relógio em seu pulso parecendo confusa.
- Você chegou a vinte minutos e já está bêbada? - Estica a mão para mim, me dando apoio para desvencilhar dos cacos sem maiores estragos.
- Você não é a única viciada com problemas.
- Aí... não quis ofender, é só que é mais a minha cara do que a sua... aposto que nem está sentindo isso arder, vem, eu te ajudo a limpar.
- Eu tive um dia péssimo, aquela delegacia está um inferno, e eu realmente deve me odiar MUITO por escolher essa profissão. Desculpa.
- Vou deixar essa passar, mas na próxima, nós teremos um problema, gata.
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A Sombra Da Máfia
RomanceEntre despedidas dolorosas e expectativas altas, Bianca deixa para trás sua vida familiar para se juntar à polícia italiana. Apesar da desaprovação dos pais e do coração partido do irmão caçula, Pedro, ela encontra apoio em Cassandra, uma italiana m...