40 - Suporte

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- "Eu mereci isso?" - Cassandra repete exaltada e me segue até meu quarto como um cão de guarda. - Você acha que está vivendo em um filme? Que porra de pensamento é esse? - Ela me vira bruscamente, a respiração estava desregulada e o rosto em um tom rosado.

- Eu assassinei três pessoas, Cassandra. - Afasto sua mão do meu corpo, e ela recua. - Não os procurei como agente Madson, fui atrás deles como Bianca, e os executei. - Minha fala saí com dificuldade e com um gosto amargo.

A ruiva me dá as costas e apoia o espero nas mãos enquanto encara o teto.

- Pensei que tivesse tido uma investigação. - Murmura antes de voltar o olhar pra mim.

- E houve. - Cruzo os braços. - Uma investigação particular. Utilizei minhas habilidades e recursos da delegacia para chegar até eles, e simplesmente os matei. - Enfatizo o fato que me torturou em silêncio durante oito meses.

- Ok... - Cassandra parecia perdida, e eu entendo, até porque também estou. - Não queria que você tivesse chegado a esse ponto.

- A culpa não é sua... não totalmente pelo menos, levei semanas para chegar até eles, o que não faltou foram oportunidades de mudar de ideia, e eu não mudei. - Dou de ombros e me apoio na porta. - Te ver a beira da morte pela centésima vez me deixou cega. Não podia simplesmente olhar isso acontecer outra vez. Costurar a porcaria dos seus machucados, te entregar um copo de água e dormir pensando o que raios aconteceu com você na rua. Eu precisava fazer alguma coisa.

- Não! Você não precisava fazer alguma coisa, Bianca. Eu não te pedi que fizesse nada além de cuidar de mim. - Seus gestos estavam exasperados, o corpo em combustão, um passo de explodir. - Você... você matou pessoas por minha culpa! Entende a gravidade disso? - Observo seus olhos marejarem rapidamente e sua voz oscila.

- Sim, eu entendo. Mas não tem nada que possamos fazer a respeito, eles estão mortos. - Dou de ombros outra vez, com certa indiferença.

- Como você pode estar tão calma? - Acusa irritada.

- Não é uma novidade pra mim como é para você. - Mentira é sim. - Perder a cabeça não vai ajudar.

- Isso. - Aponta pro meu corpo.

- Foi vingança, e sim, eles deixaram isso bem claro enquanto desferiam cada soco. - Solto o ar pelo nariz com força. - Apesar de tudo, eles ainda tinham familiares e amigos, e eu os tirei deles.

- Eram criminosos. - Me corrigi grosseiramente.

- Sim. - Atravesso o quarto indo até minha cama, me jogo nela e encaro o teto. - Mas ainda eram pessoas. E foram brutalmente assassinadas.

- Brutalmente? Pera, Bianca, você tá me dizendo que não foi apenas uma bala no meio da cara e acabou? - Sou forçada a sentar por braços fortes. Encaro seu rosto agoniado e nego com um meio sorriso.

- Eles te deram apenas um soco na cara e acabou? - Pergunto sem disfarçar meu ódio. - Você perdeu sangue, Cassandra, quebrou um braço, foi costurada em tantos lugares que nem consigo lembrar. Não estavam pra brincadeira e eu também não.

- Caralho... - Se afasta e caminha sem rumo pelo quarto. - Caralho. E os corpos? - Nego e me mantenho em silêncio. - E os corpos, Bianca? Eram três caras!

- Trabalho como policial a tempo demais para conseguir me livrar de corpos sem ser pega.

- Porra, eu sinceramente não sei o que dizer. - Ela se joga ao meu lado e assume minha antiga posição.

- Não a mais nada a ser dito. - Deito novamente e suspiro alto. - Agora só preciso lidar com o ódio dos russos. - Me permito rir, mesmo sem ter a menor graça.

- Estão muito no seu pé? - Ela parece ainda mais preocupada e aflita.

- Praticamente todos os dias... ligações, mensagens, perseguições... de tudo um pouco.

- Esse tempo todo? - Apoia o peso do corpo em um braço e vira para me olhar.

- Levaram um mês para descobrir o responsável por tal atrocidade, e desde então não descolam de mim.

- Então as vezes que você chegou machucada em casa, não foi por causa do trabalho? - Me apoio para olha-la e arqueio uma sobrancelha.

- Então quer dizer que você esteve esse tempo todo de olho em mim? - Provoco e vejo seu rosto corar instantaneamente.

- É meio difícil manter os olhos longe de uma mulher como você... mesmo quando estamos fingindo que somos desconhecidas. - Abaixa o tom de voz gradativamente e acabo rindo de sua timidez.

Cassandra tímida é novidade para mim.

- E não, não foi necessariamente o meu trabalho, na maioria das vezes tinha algum mafioso envolvido. Tanto russo quanto italiano. - Levanto repentinamente e separo meus itens de banho.

- Italianos? Agora você investiga a máfia italiana? - Dou de ombros enquanto me distancio.

- Talvez eu tenha conseguido alguma promoção. - Vou para o banheiro, finalmente a deixando sozinha.

Deixo a água quente tirar o peso das minhas costas, mas mais uma vez, ela não é suficiente para afogar a culpa que carrego no peito. Do dia pra noite me tornei uma assassina.

Nem mesmo no meu trabalho matei alguém a sangue frio, não da forma que matei aqueles homens. O que quer eu sinta por Cass além do ódio pela vida irresponsável, me fez ficar completamente cega e irracional.

Mas ok, tudo bem, eu já passei por isso, não preciso superar isso outra vez. Eles estão mortos, e apesar de ter um alvo gigante nas costas, não há nada que possa ser feito, eles não vão voltar. E por mais que me torturar seja divertido, sabem que passar disso não mudará nada, e talvez seja por isto que continuo respirando. Torturar é muito mais divertido do que uma morte "rápida".

Me livro desses pensamentos focando na sensação da água caindo pelo meu corpo, deslizo o sabonete com delicadeza, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo, e bem, nesse momento realmente é, me manter excepcionalmente limpa é muito mais atraente do que me permitir divagar sobre tudo que aconteceu, outra vez.

Talvez confessar isso para Cassandra não tenha sido a melhor ideia, mas ela me induziu a isso. Me senti incurralada e por mais que não queira admitir, eu precisava contar isso para alguém.. precisava contar pra ela.

Estava se tornando um fardo pesado demais para carregar sozinha, e mais uma vez, gostando ou não, aquela ruiva maluca é o meu suporte.






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