06. Não abra isso.

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Com um toque de amor, todos se tornam poetas.
~ Platão

— É uma tortura poder sentir aquele cheiro maravilhoso de Ravioli e não poder segurar o garfo com esses dedos que aparentemente não servem para nada! — O fantasma cabeludo andava de um lado para o outro em meu quarto, olhando para os dez dedos de ...

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— É uma tortura poder sentir aquele cheiro maravilhoso de Ravioli e não poder segurar o garfo com esses dedos que aparentemente não servem para nada! — O fantasma cabeludo andava de um lado para o outro em meu quarto, olhando para os dez dedos de suas mãos que agora estavam esticados na frente de seu rosto.

— E mesmo que os dedos servissem de alguma coisa, o estômago provavelmente não faria sua função e a comida esgorregaria pelo seu corpo. Poupe o mundo dessa visão. — Estiquei o lápis que eu usava para anotar em sua direção, o vendo revirar os olhos como se estivesse cansado da minha presença.

Mas eu quem deveria revirar os olhos.

Hoje definitivamente está sendo o dia mais caótico da minha vida desde que me levantei da minha cama. E posso dizer que não revirei os olhos muitas vezes ainda.

— Você está se esquecendo que o mundo não me enxerga, botão de ouro. — Ele ergueu a sobrancelha de uma forma que declarava que conseguiu a última palavra.

Droga.

Estou perdendo para um morto?

— Será que existe algum histórico de bruxo na minha família? Ou será que algum mágico ou coisa assim? — Respirei fundo. Meus olhos se fechando de forma natural ao sentir uma pontada de dor na cabeça. Aquilo tudo já estava me estressando. — Ou eu realmente estou doida.

— Vamos estabelecer umas coisas, loirinha? — O fantasma parecia perder a sua paciência. — Você não poderá dizer nos próximos dias que estaremos juntos o quão doida você está ficando, beleza? Não aguento mais você dizendo isso.

— Você é um fantasma muito ignorante. Por que não vai assombrar alguma casa abandonada, então? Seria mais produtivo do que esse papo que estamos batendo. — Fiz uma careta para ele.

— Espera só para ver os anjos do setor que divide o céu e o inferno. — Cruzou seus braços com o olhar ainda sobre mim.

Que garoto difícil.

— Você vai parar com as piadinhas e ignorâncias e me deixar contar o que descobri? — Bufei, abrindo a grande caixa de papelão que minha mãe me entregou assim que perguntei dos moradores de dez anos atrás.

Perguntei a ela quando terminei de saborear o ravioli e percebi o semblante triste de Lorenzo ao encarar nossos pratos e o pirex enorme de ravioli do qual ele jamais poderia experimentar de novo.

Era loucura acreditar naquela história, mas eu nunca fui muito certa da cabeça. Poderia ajudá-lo.

O mínino que eu poderia fazer por ele é ajudá-lo a ter a famosa vida eterna em um bom lugar. Seria triste demais para mim saber que sua alma foi condenada ao invés de salva.

— Diga. — Jogou o peso de seu corpo, se é que o seu corpo ainda pesa algo, para uma das pernas, ainda com os braços cruzados e o semblante impaciente.

— Minha mãe abriu um sorriso quando perguntei dos antigos moradores. Ela me disse que provavelmente não vou me lembrar deles, mas que fizeram parte da minha vida por um longo tempo. — Uma das sobrancelhas de Lorenzo se ergueram em confusão. — Foi a mesma reação que tive. — Declarei. — Eu não me lembro de ninguém e não tenho memória alguma de alguém antes da minha família nesta casa, mas se você diz que já morou aqui... — Toquei a tampa da caixa ao ver o quão empoeirada estava. O suficiente para me causar uma rinite por uns três dias seguidos. — Isso estava no porão e minha mãe me disse que seria bom relembrar dos tios emprestados que a vida me deu e depois afastou.

O menino se aproximou um pouco assim que eu puxei a tampa da caixa, podendo contemplar o tanto de coisas que recheava ela. A primeira coisa que tirei foi um porta-retrato. Um porta-retrato com uma foto de uma mulher de longos cabelos castanhos claros, pele branca e um sorriso amável no rosto. Ao lado dela, um homem com um porte físico excelente, o tom de cabelo em um tom negro, uma barba que cobria toda região do queixo e olhos na cor de mel um pouco mais claros que os meus e consequentemente no mesmo tom dos olhos do garotinho em que o homem abraçava na foto. Um garotinho que não tinha piercings ou tatuagens. Um garotinho que sorria de uma forma linda, com os cabelos tão grandes que precisava amarrar com um elástico.

Um menino que certamente lembrava a figura alta de piercings, tatuagens e o cabelo, não mais tão longo, bem na minha frente.

Ele encarava aquela fotografia com uma certa nostalgia. Por mais que não revelasse muito as suas expressões, não parecia tão feliz ao ver aquela foto guardada em uma caixa que provavelmente se manteve no porão nesses dez anos.

Coloquei o porta-retrato em cima da cama e voltei a retirar os objetos da caixa. Nela havia uma tesoura de cabelo profissional, uma máquina de cortar cabelo que não parecia tão profissional. Na verdade, era um modelo bem antigo que acreditei que podia ser excelente há uns dez anos atrás. A caixa parecia estar repleta de utensílios de barbearia.

Eu me perguntava o porquê daquilo.

Tirei um certificado de conclusão do ensino médio e encarei a folha grossa por alguns minutos. O lugar de conclusão do ensino médio era justamente no meu colégio. Há dez anos, Lorenzo estava concluindo o ensino médio.

Mais ao fundo, havia algumas roupas, fones de ouvido antigos, uma caixinha de som, algumas palhetas de guitarra, uma pistola para colocagem dos piercings e um pequeno caderno preto.

O menino, até então, não havia se movido enquanto eu retirava as coisas, que aparentemente eram suas, da caixa. Mas isso mudou no exato momento em que eu ameacei folear o pequeno caderno preto que estava dentro da caixa e se aproximou de mim.

— Isso não. — Sua voz saiu firme. — Não abra isso.

Te Encontrei Para Me AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora