32. Quem é a garota?

70 8 4
                                    

Detesto coisas mais ou menos, não sei amar mais ou menos, não me entrego de forma mais ou menos.
~ Clarice Lispector

Quando saí de casa pela manhã com o propósito de entregar as cartas com Lorenzo, não imaginei que seria tão doloroso para mim

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Quando saí de casa pela manhã com o propósito de entregar as cartas com Lorenzo, não imaginei que seria tão doloroso para mim. Eu tentava o consolar através do toque, mas meu toque devolvia a vida a ele e o fazia chorar. Meu toque não tinha o poder de acalmá-lo.

E quando me afastava, seus olhos imploravam para que eu voltasse a segurá-lo. Era como se o meu toque o permitisse sofrer, mas o sofrer, de alguma forma, aliviava a sua alma. O chorar, permitia que a dor saísse em forma de lágrimas.

— É aqui. — Sua voz saiu baixa, tão baixa que entendi o que disse quando nos aproximamos de um salão enorme, que estava aberto.

O salão parecia bem movimentado. Pessoas entravam e saíam a todo momento, risadas altas e a música, mais alta ainda, preenchiam o ambiente.

— Então eu vou entrar. — Ameacei dar um passo a frente, mas Lorenzo segurou ainda mais a minha mão, me impedindo de andar. — O que foi? — O encarei, buscando uma resposta em sua expressão facial.

— Eu... não sei se quero que entre em um salão cheio de homens, provavelmente bêbados, às dez horas da manhã. — Meu olhar se desviou de volta ao salão. — Não precisa fazer isso, loirinha. Eu não preciso ir para o céu de qualquer forma.

— Não diga isso. Não acredito que vai desistir assim! — Eu soltei a minha mão da sua, observando quando ele tentou puxa-la de volta, mas não podia já que eu não o tocava mais. — Isso não é somente para que você vá para o céu. Isso é para que você seja curado, Lorenzo. Você precisa se livrar desses demônios interiores do passado. — Declarei de forma séria. Lorenzo apenas me escutava de cabeça baixa, parecendo ter medo não somente de me ver entrando pelas portas daquele salão, ele parecia ter medo de enfrentar o passado novamente, como aconteceu quando visitamos a sua mãe e seu pai.

Eu me virei lentamente para o salão, me afastando do menino. Não sabia dizer se me seguia ou se ainda se mantinha parado. Não era possível ouvir seus passos.

Quando me aproximei do salão, respirei fundo ao ver que realmente estava repleto de homens. Como seria ouvida no meio daquela multidão toda? Ainda mais para tratar de um assunto sério?

Eu abri a porta de vidro e percebi que no mesmo momento em que fiz isso, todos os olhares do salão se voltaram para mim. Uns pareciam se perguntar o que eu fazia ali; sério que nenhuma garota ousou pisar um dia aqui? Outros, já pareciam me encarar com certa malícia nos olhos, mas não permiti que aquilo me afetasse.

— Bom dia. — Abri um curto sorriso com os lábios, me aproximando mais do meio do salão. Percebi que era todo decorado com desenhos profissionais; alguns eram caveiras, outros animes, frases aleatórias, jogadores de futebol e alguns outros desenhos. No local tinham umas seis cadeiras altas, onde os homens se sentavam para que os seus barbeiros começassem o seu trabalho. E no outro canto, uma espécie de estúdio de tatuagem foi montado, onde três cadeiras foram colocadas, mas apenas duas estavam ocupadas. Também havia uma espécie de bar perto da porta, na qual alguns já bebiam e cheiravam todo tipo de droga existente.

— Você não precisa fazer isso. Não é o lugar que você deve pisar. — Escutei um sussurro próximo ao meu ouvido. Será que ele nunca notou o efeito que sua voz baixa causava toda vez que sussurrava em meu ouvido? E não era a sua aproximação fria que arrancava aqueles arrepios do meu corpo, era algo muito além disso.

— Não se preocupe e me agradeça depois. — Abri um sorriso de canto ao fechar o meu punho em uma tentativa de reprimir aquelas emoções. Alguns dos homens me encaravam com dúvida nos olhos, talvez se perguntavam o que tanto eu sussurrava sozinha.

— Posso ajudar? — Um homem alto de olhos azuis como o mar em um dia quente de verão, cabelos loiros com um belo corte americano, piercings na sobrancelha e por toda região da orelha, algumas tatuagens pelo braço e um sorriso caridoso se aproximou de mim. — Precisa de algo? — Perguntou mais uma vez ao ver que dá primeira não obteve uma resposta.

— Preciso sim. — Respirei fundo, olhando ao redor e vendo que Lorenzo estava apenas alguns centímetros longe de mim. Ele me incentivou com o olhar a prosseguir minha fala, com os lábios levemente curvados para cima. — Gostaria de falar com Fábio e Henrique. Me disseram que eu podia os encontrar aqui.

— Ah... Claro. — Ele ficou um pouco confuso. — O que gostaria de dizer? — Cruzou seus braços, curioso.

— Preciso falar com eles, apenas. — Respondi como se fosse óbvio, erguendo uma das sobrancelhas e também cruzando os braços. O homem abriu um sorriso e riu um pouco antes de descruzar os braços.

— As mulheres são tão interessantes. — Balançou sua cabeça para os lados antes de voltar a me encarar com o seu sorriso. — Sou o Fábio. E bom, o Henrique foi reabastecer o seu estoque, volta em alguns minutos. Agora que tem as informações, pode me dizer o que quer comigo?

— É um assunto um pouco delicado, será que poderíamos ir em um lugar menos tumultuado? — Seu sorriso se abriu ainda mais, me fazendo franzir a testa.

Percebi que os pelos de meu corpo se arrepiaram quando olhei para o lado e notei que Lorenzo estava com uma cara nada agradável ao suposto amigo.

— Reconheceria esse palhaço mesmo que se passassem quarenta anos. Continua o mesmo engraçadinho pateta. Até levar um soco de alguma garota. Se é que já não levou. — Ele tinha um olhar nada agradável para o amigo. — Joga essa carta na cara dele e vamos embora.

— Fábio? Quem é a garota? — Escutei uma voz grave tomar conta do ambiente, fazendo com que todas as vozes se calassem. Sua voz era tão agressiva que estremeci ao ouvir. Me virei lentamente na direção do som ensurdecedor e pude contemplar uma figura alta e musculosa, de pele negra, olhos castanhos claros como casca de árvore, o cabelo em um corte baixo quase todo raspado e tatuagens que cobriam o corpo inteiro.

— Henrique... — Lorenzo sussurrou de forma baixa, descruzando os seus braços e o encarando sentindo o baque das emoções.

— Me chamo Ayla e preciso tratar de um assunto delicado. Será que poderia ter dez minutos da atenção de vocês? — Os olhos de Henrique saíram de Fábio e cruzaram com os meus, o que me fez engolir em seco. Só a sua presença era suficiente para abalar as estruturas de qualquer um.

Ele caminhou lentamente em minha direção, com os olhos impossíveis de se decifrar. E quando parou em minha frente, acendeu um isqueiro próximo ao meu rosto, acendendo o seu cigarro em seguida.

— Claro, loirinha. — Declarou, indo em direção a uma porta atrás de mim. Uma sensação estranha tocou o meu peito ao ver que ele me chamou pelo mesmo apelido que Lorenzo me deu. — Entre. Se você levantar o rabo da cadeira, eu te arrebento. Ouviu, ratazana? — Ele declarou para um outro homem repleto de piercings que estava sentado em uma das cadeiras e fechou a porta. — Diga. — Disse, se sentando ao lado de Fábio e fazendo menção para que eu me sentasse também.

Te Encontrei Para Me AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora