O amor é composto por uma única alma habitando dois corpos.
~ Aristóteles— As coisas são... são suas? — Perguntei a ele assim que percebi o seu semblante mudar completamente, como se estivesse arrependido daquilo tudo. Arrependido de ter me pedido ajuda, arrependido de ter que repetir a vida uma segunda vez. Uma vida que, aparentemente, não parecia tão boa para ele.
Mas era muito além daquilo. Ele parecia arrependido de ter que relembrar toda sua vida novamente, como se as memórias fossem sufocantes demais para recordar.
— Suas é que não são, né?— Seu sorriso debochado se abriu no rosto, mudando completamente o clima que antes havia se instalado no ambiente.
— Tão piadista. — Estreitei os meus olhos, recolhendo todas as coisas da caixa e tomando novamente o papel pela mão. O mesmo papel que continha a frase indecifrável.
— O que você acha que pode ser? — Lorenzo veio até mim, se sentando ao meu lado sem ao menos afundar o colchão da cama. Era estranho como ele parecia flutuar toda vez que se sentava em algum móvel.
— Te encontrei para me amar. — Repeti a frase em voz baixa, notando a aproximação do menino para ler o papel. O seu corpo, ou melhor, a sua alma que estava assentada ao meu lado naquele momento, não produzia o calor de um corpo para que eu pudesse detectar a sua aproximação. Mas a forma como seus cabelos se moviam enquanto ele balançava a cabeça lentamente e a forma como mordia o seu piercing enquanto pensava, me faziam ter a certeza de que ele estava ali. Mesmo que não fosse em forma de matéria.
Ao encará-lo por alguns segundos, era inevitável pensar no que poderia tê-lo levado a morte. Um menino que tinha uma vida muito longa pela frente, um menino que há dez anos atrás, possuía a mesma idade que eu e que infelizmente foi barrado pelo destino. Que provavelmente tinha planos em vida, sonhos, desejos que nunca alcançou e que jamais vai alcançar. Talvez tenha deixado amigos, que agora, precisam viver sabendo que nunca mais irá vê-lo sorrir. Talvez tenha deixado pais incríveis, depositando neles, a tristeza de saber que nunca mais irão abraça-lo. Talvez tenha deixado um amor...
Um amor que viverá para sempre com um buraco no peito por ter perdido a sua outra metade.
— Por que está me encarando? — Lorenzo perguntou com aquele seu olhar descontraído que dizia "eu sei o quanto sou bonito".
E então, ele disse:
— Eu sei o quanto sou bonito. — E inclinou a sua cabeça para o lado, com aquele semblante convencido. — Você quer uma foto? Ou quem sabe um autógrafo?
— Acha mesmo que pode ser capturado por câmeras? — Abri um sorrisinho antes de prosseguir. — E alguém já te disse o quanto você é convencido? Talvez esse tenha sido o seu pecado em vida, não acha? — Cerrei os olhos para o menino, vendo aquele sorriso que poderia facilmente conquistar qualquer garota em vida e em morte.
— Eu acho que o meu pecado em vida foi ser bonito demais. Talvez eu devesse pedir perdão a Deus por isso. — Ele se jogou em minha cama, deitando sua cabeça em meu travesseiro e me encarando com aqueles olhos dourados.
Enquanto se espreguiçava em minha cama, um brilho se acendeu em minha mente ao ouvir sua frase. Um brilho que me chocou ao ponto de me fazer dar um pulo da cama e o encarar.
— Eu já sei! — O fantasminha bad boy me encarou como se eu fosse uma doida que acabara de fugir do hospício. — Talvez tenha a ver com pecado e a necessidade do perdão! — Lorenzo franziu ainda mais o rosto. — Pensa comigo, Lorenzo! — Eu voltei a me sentar na cama, me aproximando do garoto e tocando seu ombro para sacudi-lo. Talvez ele não esteja mais tão acostumado com as pessoas o tocando já que se assustou no exato momento em que encostei em seu ombro.
— Meu cérebro é feito de vento. — Ele declarou. — Ah não, vento também é considerado matéria. — Aquela sua piada me fez rir. — Você está querendo dizer o que com isso? Que preciso ir para uma igreja e me confessar para um padre ou sei lá, um pastor?
— Primeiro, que pastor ou padre enxerga almas pendentes? — Lorenzo balançou os ombros.
— Não sei, eles não tem conexão com Deus? Tem que ter o dom de enxergar igual a Deus. — Deu de ombros mais uma vez, parecendo entender muito sobre a religião.
— Meu Deus, você é um herege. Se estivéssemos na idade média você já estaria queimando em uma fogueira — Essa piada foi suficiente para ele gargalhar.
— E você também, pois afinal, enxerga espíritos. Sua bruxa! — Sem notar, estávamos gargalhando de piadas bobas e sem sentido.
Pela primeira vez, em um dia cinza como aquele, eu me sentia feliz. A presença de Lorenzo, ou a falta dela, me fazia muito bem. A forma como suas piadas sem sentido me tiravam belas risadas era surpreende. Era estranho sorrir em um dia difícil.
Mas a verdade é que meus dias sempre foram muito difíceis.
As pessoas sempre costumam dizer que se tivessem mais dinheiro, se fossem um pouco mais bonitas, se o peso não fosse um incomodo em suas vidas... a tendência de serem felizes aumentaria. Se o seu corpo não as incomodasse, se suas cicatrizes não fossem tão visíveis e se seus cabelos fossem mais longos e mais parecidos com os padrões estabelecidos pela sociedade, elas seriam mais felizes. Mas é estranho quando você tem tudo isso e sente que ainda falta algo.
É estranho como não se pode comprar a confiança de alguém com o dinheiro. É estranho como o amor não pode ser comprado, como um sorriso não tem preço, como uma risada é incalculável, como um abraço sincero é imensurável e como não dá para medir o preço de ter uma pessoa confiável ao seu lado.
— Está tudo bem? — Lorenzo perguntou quando o meu sorriso se desfez de repente, me lembrando que momentos como esses são raros em minha vida, e que talvez, nunca terei pessoas ao meu lado para depositar toda a minha confiança.
— Está sim. Amanhã continuamos essa conversa, está bem? O dia hoje foi cansativo demais. — E assim, guardei as coisas na prateleira acima da minha cama e tomei os meus fones de ouvido, passando pela porta do quarto, virando e descendo as escadas em direção as ruas da cidade.
Na intenção de apagar qualquer vestígio de como, talvez, eu não seja boa e interessante o suficiente para fazer alguém ficar.
Ou melhor, de como eu sou estupidamente incapaz de ser amada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Te Encontrei Para Me Amar
RomanceA vida e a morte constituem o limite extremo da existência humana. Os seres humanos nascem para morrer, respiram para deixar de respirar, seus corações batem para deixar de bater e suas vidas surgem para desaparecer. O ciclo sempre foi assim, se rep...