10. Por favor, me deixe em paz.

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O amor é uma lona fornecida pela natureza e bordada pela imaginação.
~ Voltaire

Narrado por Lorenzo

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Narrado por Lorenzo.

— Primeiro, você é um fantasma, mas não dou permissão para que deite em minha cama assim. — Ela toca em meus pés e me puxa de uma forma tão bruta que eu rolo pelo seu tapete felpudo que decorava o quarto. — Segundo, Meu nome é Ayla! — Cruzou seus braços de forma irritada e eu a encarei com um sorriso travesso e os dois braços atrás da cabeça, como se estivesse em uma praia aproveitando o sol. — E terceiro! Você não parece tão focado assim em levar sua alma para o paraíso, não é mesmo?

— Meu paraíso é você, meu ouro de quatro quilates. — Ela revirou os olhos, mas foi interessante ver o vermelho que surgiu em suas bochechas quando pisquei um dos olhos para ela e dei o meu melhor sorriso sedutor.

— Francamente... — Bufou, pegando a sua mochila e saindo do quarto balançando a cabeça em negação.

A segui pelo corredor de sua casa e pude ver seus pais já sentados na mesa da cozinha. Ambos pareciam imersos em uma conversa muito interessante sobre direitos humanos quando ela adentrou a cozinha com um sorriso único. O sorriso que fez seus pais sorrirem para ela.

Estranho uma pessoa que parecia sofrer bastante em silêncio, ser dona de um dos sorrisos mais bonitos. E a forma como sorria não parecia falsa, como uma tentativa de esconder a sua dor nem nada. Era um sorriso real, que não media esforços ao fazer.

— Bom dia para os dois e um ótimo trabalho para vocês. Infelizmente não vou conseguir tomar esse café que a senhora preparou, minha mãe. Mas prometo não deixar de me alimentar. — Ela tomou um pacote de biscoito recheado pela mão e deu um beijo na bochecha de cada um, correndo para a porta de entrada.

— Bom estudo, minha filha! — Seu pai gritou antes dela fechar a porta e correr em direção ao colégio bem próximo a sua casa.

— Eu estava caminhando pela manhã e vi uma menina pedindo perdão aos pais por algo que cometeu. — A loirinha começou a tagarelar enquanto andávamos em direção ao seu colégio. — E foi inevitável não pensar na nossa conversa de ontem sobre o seu assunto ser possivelmente o perdão. Você não acha que magoou alguém em vida e por isso precisa consertar isso? Pois o vínculo de vocês era tão forte que a sua morte não quebrou esse laço? — Eu engoli a seco. Imaginava que fosse aquilo. Imaginava que esse vínculo forte que necessitava do perdão para ser quebrado, seria isso. Imaginava que fosse.

E Ayla era inteligente ao ponto de achar que aquilo também poderia ser o assunto pendente, mesmo sem saber 1% do que passei em vida.

A minha pendência na terra eram os meus pais. Não podia ser outra coisa além deles, e isso é o que mais me apavorava naquele momento.

A minha mente me acusava a todo tempo, me lembrando de que um simples perdão não seria o suficiente para consertar os estragos que fiz dentro deles.

Pois afinal, todos os pais possuem expectativas altíssimas sobre os seus filhos. E quando um filho não atende ou ultrapassa as expectativas, se torna uma decepção imensurável.

— Lorenzo? — Escutei a sua voz que me chamava de volta para a realidade. Era interessante como sua voz soava de um jeito tranquilo. Ela parecia ser uma pessoa repleta de paz.

Mas era ainda mais interessante saber que por mais que exale toda essa paz, dentro dela há um turbulento oceano que foge completamente do que ela demonstrar ser.

Uma pessoa cheia de conflitos que não vê necessidade de mostrar o quão machucada está. Uma pessoa com grandes problemas onde demonstra compaixão pelos problemas dos outros, ignorando até mesmo os seus.

Ela é realmente interessante.

— Estou ouvindo, meu grammy. — Sorri ao ver a careta que se instalou em seu rosto. Era divertido passar as horas pensando em trocadilhos com a cor do cabelo dela, só para ver sua careta irritada.

— Uau, você me surpreende a cada apelido. — A garota balançou a cabeça para os lados, o que me fez rir um pouco. — Será que pode se concentrar na missão? Precisamos garantir a sua vaga no paraíso! Você acha que o perdão é o primeiro passo? — Ela me olhava com esperança. Parecia querer que eu fosse embora mais do que eu queria ir.

— Por acaso quer se livrar de mim? — Eu ergui uma das sobrancelhas, a encarando com um olhar acusador.

— Se não resolvermos isso logo, você vai queimar no fogo do inferno. É isso que deseja, fantasminha galanteador? — Suas mãos foram em direção a sua cintura, me encarando com as sobrancelhas arqueadas e um bico formado nos lábios.

Essa expressão repleta de autoritarismo era engraçada.

— Esse rostinho é lindo demais para queimar no fogo do inferno, não acha? — Ergui e desci diversas vezes a sobrancelha, olhando para a menina com um sorriso de canto. Ela apenas revirou os olhos e um pequeno sorriso surgiu no canto de seus lábios, um sorriso que ela disfarçou.

Ayla parecia não se preocupar com as pessoas que passavam ao seu lado a encarando como se fosse louca. Muito pelo contrário, ela parecia esquecer que existiam outras pessoas no local além dela e eu.

E assim que chegamos na porta do colégio, o seu semblante mudou completamente. Aquele sorriso leve que ela carregava nos lábios sumiu, sem deixar nenhum vestígio de que um dia ele esteve ali. O seu olhar focou no mesmo menino de ontem, o menino que estava aos beijos na sala de aula com a amiga dela. O menino que eu já sentia um ódio genuíno.

Um ódio, pois nada justificava uma traição. Nada justifica o fato de você quebrar a confiança de alguém que diz amar, e conviver bem depois disso. Nada justifica você escolher estar nos braços de uma outra pessoa que não seja a que você diz amar.

— Ayla... — Ele se aproximou da menina assim que a avistou de longe. Tentou tocar em suas mãos, mas ela se afastou com agilidez. Seu rosto estava amedrontado, parecia ter medo da pessoa que deveria cuidar de seu coração. — Eu sinto muito, meu amor. Por favor, por favor me perdoe! Volte para mim, Ayla! Eu estou sofrendo sem você.

O cabelo bagunçado, as roupas amassadas e as olheiras nos olhos, completavam o seu teatro perfeito. As pessoas pareciam interessadas em saber o que acontecia entre os dois, e logo se formou um grupinho ao redor para olhar a cena.

— Eu... — Ayla soltou em um sussurro. Estava tão apavorada que abraçou o seu corpo em uma tentativa de se sentir segura. E conforme o menino se aproximava, mais ela se afastava com passos firmes. — Não temos mais nada. Por favor, me deixe em paz.

Senti uma raiva se apossar de mim quando o garoto tocou o seu braço e ameaçou beijá-la mesmo depois do que disse. E uma memória de anos atrás despertou dentro de mim.

— Por favor, não faça isso...

Sem notar, fechei o meu punho em uma tentativa de apaziguar aquela raiva dentro de mim. Era impressionante que não importa quantos anos se passem, idiotas como esses sempre irão existir.

E agindo mais pela emoção e ignorando completamente as minhas condições, ergui o meu punho em direção ao rosto do menino, depositando um soco tão forte que ele foi ao chão com um nariz sangrando e um olhar assustado.

Te Encontrei Para Me AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora