A vida e a morte constituem o limite extremo da existência humana. Os seres humanos nascem para morrer, respiram para deixar de respirar, seus corações batem para deixar de bater e suas vidas surgem para desaparecer.
O ciclo sempre foi assim, se rep...
Oque importa afinal, viver ou saber que se está vivendo? - Clarice Lispector
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— Já disse para parar de arrumar confusão com ele! Que coisa, Benjamin! Sabe que ele é um mentiroso, arrogante e ganancioso! Ele nunca foi seu amigo de verdade! Quando você vai entender isso, seu burro? — Uma menina se aproximou de nós com uma expressão irritada. Ela bateu tão forte na mesa do pátio da escola que eu jurei que poderia partir-se ao meio a qualquer momento.
Sua aparência era única. Com seus cabelos cacheados em um corte onde os fios ficavam volumosos, ela exibia a cor avermelhada do seu black. Seus olhos grandes, com cílios naturalmente curvados e suas bochechas marcadas, davam a ela um ar de fofura. Seu tom de pele negro combinava perfeitamente com a cor de seu cabelo.
Parecia uma boneca projetada por anos.
— Acha que é fácil? Esse estúpido vive dizendo mentiras sobre mim! Ele está denegrindo a minha imagem! — O tal do Benjamim se colocou de pé e debateu com ela.
Eu os conhecia. Era por isso que a aparência dos dois era tão familiar para mim. Eu os conhecia porque Ygor tinha um grupo muito grande de amigos, e eles dois faziam parte de um dos grupos.
— Ele não faz isso porque você mesmo já faz! — A garota dos cabelos avermelhados declarou com uma voz muito irritada. Eu apenas levei a mão a boca, chocada com tudo que eles diziam.
Notando a minha presença, seus olhos me encararam com uma expressão não tão agradável. Parecia me julgar com aqueles seus olhos grandes de boneca.
— O que a cachinhos dourados está fazendo aqui? — Sua pergunta se direcionou para Benjamin, que deu de ombros e voltou a sentar-se na minha frente.
— Isso foi ofensivo, Melina. — Ergueu um de seus dedos e disse de forma debochada para ela, voltando a colocar o gelo em seu nariz. — E ela se mostrou gentil, então seja legal. — Declarou, desviando o olhar para o outro lado, como se estivesse com vergonha.
Eu achei isso engraçado, já que passamos vinte minutos sentados na frente um do outro enquanto ele tentava me afastar com respostas ignorantes e eu tentava ajudá-lo a resolver a enxurrada de sangue do seu nariz.
— A namorada do Ygor? — A cacheada ergueu uma sombrancelha, não acreditando no que ele dizia.
— Não xinga ela desse jeito, minha nossa. — Revirou os seus olhos, me fazendo rir ao me lembrar de quando pedi a uns minutos atrás para nunca mais repetir aquilo.
— Prazer Melina. — Estendi a minha mão para ela, me perguntando se agi errado quando ela não estendeu a sua mão de volta. A garota virou o rosto para Benjamin, ignorando minha presença.
— Talvez devêssemos ir agora. — Disse a ele, puxando o seu braço para que levantasse. Aquilo foi tão frustante para mim que senti como se algo espetasse o meu coração. Uma agulha muito fina que causa dor lentamente.
Então era isso?
Eu realmente nunca fui boa o suficiente para fazer alguém gostar de mim? Era por isso que sempre andei sozinha todo esse tempo? E as poucas pessoas que consegui manter por perto é por conta da influência da minha família? Era por isso que me abandonavam? Por que eu era tão sem graça que não valia a pena o esforço?
A tendência da minha vida seria sempre estar sozinha?
— Não. — Respondi quando ela conseguiu puxar Benjamin, o colocando de pé com um semblante nada agradável.
— Não? — Respondeu, soltando o braço dele e se aproximando de mim. Sua sobrancelha erguida e os lábios curvados levemente entregavam o quanto estava insatisfeita com a minha resposta.
— Eu... talvez eu é quem deva sair. — Engoli a seco, percebendo quando o seu semblante sério suavizou. — Me perdoe se em algum momento agi de forma incoveniente. Espero que melhore, Benjamin. — Abri um pequeno sorriso e peguei minha mochila da mesa.
Percebi que uma lágrima escorreu de meus olhos quando um soluço escapou de meus lábios. É, aquilo realmente doía.
Estar sozinha era realmente doloroso.
Mas acho que não é o estar sozinho. É a sensação de estar cercado pela solidão.
— Por que foi tão ignorante, Melina? A menina não é igual a ele! Ela é fofinha, sabia? Não tinha necessidade disso. — Ouvi a voz de Benjamin bem distante. Tão distante que me perguntei se ouvia isso mesmo ou se era apenas um delírio do meu pobre coração.
Um coração que estava cansado de toda essa solidão.
Talvez seja por isso que quando entreguei a carta para a mãe de Lorenzo, torci para que não fosse aquilo. Torci para que ele ficasse. Torci para que não levassem a sua presença, não tão presente, para longe de mim.
Eu não percebi, mas torci tanto que quando o vi sentado na janela do meu quarto ontem, nunca senti o meu coração tão aliviado. Ver o seu corpo flutuando no batente da janela foi como um alívio na minha alma.
Mas percebi o quanto aquele sentimento era errado quando vi o seu semblante carregava dor, tristeza e incertezas. Ele precisava ir embora enquanto eu queria que ficasse.
Mas ele não sabia do quanto eu queria que ficasse. Não sabia o quanto o queria por perto agora. O quanto a solidão fez eu me apegar a algo que não me pertencia. A algo momentâneo que precisava ir embora em algum momento.
Eu precisava fazer a minha cabeça entender que eu não podia me apegar a algo que vai embora. Mas era difícil quando me sentia mais à vontade com uma alma penada do que com as pessoas que me cercavam. Era difícil quando minhas risadas eram mais frequentes com um fantasma do que com pessoas que vivem ao meu redor.
E foi por isso que eu me fechei na cabine do banheiro e chorei. Sentindo que cada uma daquelas lágrimas desciam de forma pesada. Pesadas como todas aquelas memórias ridículas da minha vida. Memórias onde sempre me deixavam sozinha, onde eu era a última a ser escolhida, onde riam de mim e diziam coisas que estavam longe de ser verdade, onde eu lanchava sozinha me perguntando se algum dia poderia ter amigos.
E foi quando escutei alguém bater na porta do banheiro.