16. Cometi.

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O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha.
~ 1 Coríntios 13:47

Narrado por Lorenzo

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Narrado por Lorenzo

O dia de hoje foi com certeza um dos mais estressantes da minha vida. Bom, melhorando a frase, um dos mais estressantes da minha morte.

Fui em busca de informações para ajudar a minha pobre alma naquele mesmo anjo que fazia questão de mostrar o quanto amava o seu trabalho.

Na última vez em que voltei naquele setor, ele me entregou um de seus caderninhos celestiais e disse para anotar a mesma mísera frase que não fazia sentido algum. Me tratou com tanta delicadeza que me perguntei se um cavalo poderia ser melhor como recepcionista do céu.

E no amanhecer do dia... bom, me lembro bem da nossa conversinha.

Será que você pode me dizer mais do que te encontrei para me amar? — Eu já estava tão irritado que bati em sua mesa, vendo o seu olhar debochado.

Faz isso de novo que eu mando alguém do setor do inferno te buscar agora. Ergueu uma de suas sobrancelhas e me encarou, esperando que fizesse de novo.

Mas é claro que eu não faria. Então feri o meu orgulho e um sorriso resplandecente surgiu em seu rosto.

Droga. Anjo mais perturbado de Jesus.

Custa dizer algo mais? Que merda! — Bufei, tendo a certeza de que se Ayla não me ajudar nessas três semanas que restam, eu certamente não tenho muitas chances.

Primeiro de tudo: você sabe ler? — Cruzou suas mãos sobre a mesa e eu me perguntei de que forma ele me humilharia agora.

Sei — Bufei antes de responder.

Então pode ler o que está escrito naquela placa? — O anjo apontou para uma placa em uma das colunas do lugar. A placa dizia bem grande a frase: sem xingamentos, estamos próximos ao céu.

Sem xingamentos, estamos próximos ao céu. — Precisei de toda a minha paciência para me controlar, eu precisava de informações das quais só ele poderia me dar.

Bom garoto! Agora presta atenção no tio. — Juntou suas mãos com um sorriso irônico, como se eu fosse uma criança. — Pela milésima vez eu vou repetir, Lorenzo. Eu não posso te ajudar. Existe uma lei que me proíbe de abrir a boca quando o assunto é declarar o que é a pendência das almas presas na terra, isso é, quando descobrimos a pendência. Você me entendeu bem dessa vez? Sou proibido! Não adianta roubar os meus caderninhos e me encher o saco trezentas vezes porque não posso nem sequer abrir a boca! As informações disponíveis para você são: procure a garota dos longos cabelos dourados na sua antiga cidade e a frase. E ponto. — Parecia irritado com a minha insistência.

Não pode falar a palavra merda, mas pode usar a expressão 'encher o saco"? Você precisa rever os seus conceitos, querido anjo. — Ergui uma das sobrancelhas, o vendo revirar os olhos. — E quer saber de outra coisa? Eu não quero esses caderninhos insignificantes não. — Os joguei sobre a mesa, sabendo que a maioria dos caderninhos já estavam cheios de rabiscos. Havia me esquecido como é bom desenhar já que não posso encostar em cadernos normais. Só quando acontece a famosa química que Ayla comentou. — E pode ter certeza que não volto mais! Só volto para pegar a minha passagem direta para o céu! Passar bem, poço de ignorância celestial.

Vai ver se eu tô na esquina! — Ele rebateu assim que eu me virei.

Não tá não! Tá aqui na minha frente mesmo tirando a minha paciência! — Briguei de novo, debatendo enquanto o via se erguer e ficar o dobro do meu tamanho. Engoli a seco ao ver seus olhos irritados. — Quer dizer... eu tenho que ir, né?

E assim, eu quase fui expulso do lugar próximo ao céu de novo. Acredito que daqui a uma semana ele me perdoa e eu posso voltar para tentar mais uma vez conseguir informações.

— Como era... sabe... como era a sua vida? — Eu tinha a certeza de que ela faria aquela pergunta. Ayla não parecia ser curiosa, mas talvez o fato de não falar muito sobre algo que é crucial para nossa missão de ajudar a minha alma a perturbe um pouco.

Mas relembrar momentos de dor em vida era uma tarefa muito difícil. Eu diria que era necessário ser muito forte para falar abertamente sobre a sua dor.

— Eu... — Observei o seu rosto antes de começar a dizer. Ayla tinha uma beleza nunca vista antes. Era algo que te fazia ficar vidrado em cada pequeno detalhe seu. Não sei se é a luz que exala, o dourado de seus olhos, seus grande fios de ouro na cabeça ou a forma como me questiona de assuntos desconfortáveis de uma forma confortável.

Ou talvez seja o seu sorriso tão meigo que de alguma forma consola o meu coração que nem ao menos bate mais. Ou quem sabe a sua humanidade? Já que se dispôs a me ajudar quando a sua vida se encontra em um cenário caótico.

— Por onde eu começo? — Dei uma leve risadinha, desviando o meu olhar de seus olhos curiosos e focando na areia da praia. Eu não sei porque ela gostava tanto daquele lugar, mas tenho que admitir que é de grande beleza. — Por onde eu começo a contar o trágico conto da curta vida de Lorenzo? — Voltei o meu olhar para ela, abrindo um sorriso de canto e esperando que fizesse uma outra pergunta para que eu começasse a introduzir minha história.

Minha não tão longa e triste história de vida.

— Você... era feliz? — Ela deve ter notado a careta que eu fiz assim que me fez aquela pergunta.

— Ai, não tinha uma pergunta mais leve? Sei lá, o que eu mais gostava em vida, minhas comidas favoritas, os lugares que eu visitava frequentemente... não sei, sabe? Jura que vamos introduzir o assunto dessa forma? — Ela desviou o seu olhar, como se estivesse se sentindo culpada por ter feito uma pergunta um pouco... bom, não sei nem como descrever o baque que essa pergunta foi para mim.

— Me desculpa. — Declarou após uns minutos de silêncio, com a sua cabeça baixa enquanto caminhava ao meu lado.

— Não. — Respondi instantâneamente, percebendo o seu olhar em surpresa. Mas eu não me referia ao seu pedido de desculpas, me referia a sua pergunta. — Acredito que não fui muito feliz.

Era estranho a forma como eu sentia tanto a dor das memórias do passado quando já não tinha mais um sistema responsável pelas emoções. Eu estava morto, mas por que a dor não morria juntamente comigo?

— Eu sei que sou o maior culpado pela minha triste história de vida. Sei que poderia ter feito muitas escolhas diferentes mas... não sei. O que posso fazer agora além de lamentar? — Abri um sorriso triste para a garota que tinha os olhos repletos de lágrimas. — Sabe qual é o mais trágico do passado, botão de ouro? É que ele é irrevogável. E tudo o que sobra dele é o mais puro arrependimento quando não se faz a escolha certa.

— Você... cometeu muitos erros? — Sua voz parecia conter medo. Ela tinha medo de passar dos limites que eu estabeleci mesmo sem dizer. Isso me fez sorrir. Era interessante que mesmo em um mundo cheio de pessoas ruins, ainda era possível acreditar na bondade humana. Era possível acreditar em algumas pessoas.

E ver que alguém que passou por algo tão difícil tinha medo de passar dos limites ao ponto de me ferir, era reconfortante.

— Cometi. — Sorri, me aproximando dela e sorrindo mais uma vez, na intenção de deixá-la confortável. — Cometi ao ponto de merecer um tiro no rosto como consequência final. — E assim que declarei isso, percebi uma lágrima rolar de seus olhos.

Interessante vê-la chorar ao ouvir minha história.
Ninguém nunca teve tamanha compaixão por mim.

Te Encontrei Para Me AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora