Há sempre algumas loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.
~ Friedrich Nietzsche— Esse, definitivamente, é o pesadelo mais longo que eu já tive. — Declarei, tentando ignorar tudo aquilo que o menino dizia sobre estar morto, assunto pendente e coisas de fantasminha camarada.
— Eu preciso da sua ajuda. — Ele suspirou, como se estivesse cansado de implorar a cada minuto por ajuda e da minha incredulidade em relação a sua existência. — Tem dois dias que eu te procuro por essa cidade inteira! Dois dias a menos para cumprir o meu assunto pendente! O anjo patético que me explicou sobre a situação, infelizmente era ignorante demais para me dizer pelo menos alguns detalhes de como resolver essa merda! — Agora o seu semblante estava repleto de raiva. — E a única informação que me deu foi esse papel ridículo e a descrição da sua aparência. E eu tive a certeza de que era você quando vi que podia me enxergar. E agora tudo parece ainda mais certo já que você consegue me tocar! — Me estendeu o papel que estava em suas mãos.
Eu o peguei podendo ler a seguinte frase: te encontrei para me amar. Uma frase rasa, sem muitos detalhes e que se fosse uma dica do enigma, era uma dica bem fraquinha.
— Isso aí é o meu assunto pendente, segundo ele. — Bufou, batendo os seus pés no chão com uma certa impaciência.
— Isso é tão... superficial. — Eu analisava cada letra. O menino se aproximou ao ver que finalmente me interessei pelos seus problemas. — Não... não sei como posso te ajudar.
— Então... você finalmente acredita em mim? — Arqueou a sobrancelha.
— Na verdade, eu acredito que estou beirando a loucura. Então, por que não me jogar logo? — Ri da minha própria piada, pensando quem era o roteirista dessa minha história dramática. — Mas enfim, qual é o seu nome, fantasminha camarada? — Eu pude ver um curto sorriso em seus lábios.
— Lorenzo, botão de ouro. Me chamo Lorenzo Rossi. — Eu o encarei por alguns instantes. Não o encarei por conta de ter me chamado mais uma vez por aquele apelido ridículo, mas sim, por reconhecer aquele nome de algum lugar.
— Estranho... seu nome é familiar. — Ele deu de ombros.
— Devem existir muitos Lorenzo's por aí, não é? — Eu ri, mesmo sabendo que com certeza não era aquilo. Eu realmente reconhecia aquele nome de algum lugar.
— O meu é Ayla. Já pode parar de me chamar por esses apelidinhos. — Agora foi a vez dele de rir. — Ayla Duarte, prazer. — Estendi a minha mão para ele e o observei me encarar com uma das sobrancelhas erguidas.
O menino aproximou sua mão e ela atravessou a minha, como se fosse apenas ar, uma nuvem que se desmanchou ao tocar uma superfície mais grossa. Aquilo causou uma onda de pânico, ainda me recusando a acreditar que estava alucinando.
Quando estiquei a palma da minha mão e vi ele erguer a sua, entrelacei os meus dedos aos dele, podendo sentir o frio que sua mão transmitia.
Aquilo era... sobrenatural.
— Por que você também me parece familiar? — Lorenzo perguntou, ainda com seus dedos entrelaçados aos meus. Eu observava aquilo tudo com um choque nítido nos olhos.
— Devem existir muitas Ayla's por aí, não é? — Soltou uma risada contagiante.
— Tenho certeza que como você, não existe. — Ele balançou a cabeça para os lados, ainda com um sorriso no rosto. Seu comentário me fez pensar no que queria dizer exatamente ao soltar aquela frase. Se estava tentando me elogiar para ajudá-lo, seja lá para o que fosse, ou se apenas fez isso por fazer. — Vai me ajudar? — Eu o encarei, vendo o seu olhar implorando por minha ajuda.
Aquilo era difícil demais para acreditar, mas e se fosse real? E se por minha conta, eu acabasse o condenando eternamente por negar ajuda? Não podia fazer isso. Imagina condenar uma alma eternamente por negar uma ajuda simples?
Por mais que já tenha sofrido muito por confiar e ajudar as pessoas, tenho certeza que aquela situação é diferente. Ele parece... parece realmente precisar da minha ajuda. É nítido em seu olhar desesperado.
Olhei novamente para o papel em uma de minhas mãos e me afastei do toque de sua mão, pensando o que poderia ser que aquela frase escondia.
— Assuntos pendentes... — Um bico se formou em meus lábios. Aquilo acontecia todas as vezes em que algo me fazia pensar.
Percebi o olhar do menino sobre mim. Ele estava atento observando cada detalhe do meu rosto, o que me fez olhar diversas vezes para o lado um pouco constrangida. O olhar dele era intimidante.
— "Assunto" significa um ponto, um tema, uma questão; enquanto "pendente" nos dar a entender que algo não foi finalizado e que está para ser resolvido. — Declarei, tentando formar os pensamentos.
— Ah, você jura? — Me olhou incrédulo. — Loirinha, eu preciso de ajuda, não de uma aula de português.
— Primeiro, não me chama desse jeito, agora você sabe o meu nome. — Ergui um de meus dedos, vendo seu olhar entediado. — E segundo, se você me deixar terminar, talvez entenda a que ponto eu desejo chegar. Quer a minha ajuda ou não, fantasminha?
— Olha só... me pergunto o que Deus estava pensando quando decidiu colocar você para me ajudar. — O menino deu uma longa suspirada, balançando sua cabeça em negação. — Quero sua ajuda. — Respondeu, quase em um sussurro.
— Pois bem, então entendemos que assunto pendente significa algo que você não terminou de resolver enquanto estava vivo. Ou seja, você iniciou mas não finalizou, já que está pendente. — Seus olhos estavam entreabertos, parecendo entender o meu raciocínio. — Agora o próximo passo é entender essa frase e ver o que podemos listar de pendências de acordo com a sua vida.
Ele tentou puxar o papel de minha mão para ler, porém, não obteve sucesso já que sua mão atravessou o papel.
— Paciência, fantasminha bad boy. — Toquei o topo da sua cabeça com uma das minhas mãos. O menino semicerrou os olhos, me encarando com uma certa irritação. — Vem, agora que eu confio um pouco mais nessa sua loucura, pode me seguir até a minha casa. — Eu peguei em sua mão e algumas pessoas me observavam confusas, provavelmente se perguntavam o que eu segurava e com quem eu falava enquanto caminhava em direção a minha casa.
Esse dia não podia ser melhor.
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Te Encontrei Para Me Amar
RomanceA vida e a morte constituem o limite extremo da existência humana. Os seres humanos nascem para morrer, respiram para deixar de respirar, seus corações batem para deixar de bater e suas vidas surgem para desaparecer. O ciclo sempre foi assim, se rep...