Prólogo

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"Vamos brincar lá no quarto, Cat." - disse Miranda, levantando-se do chão antes mesmo de Catarina responder.

"Vamos, sim." - respondeu Catarina, erguendo-se com todos os brinquedos nas mãos e uma boneca na boca.

"Catarina, olhe os modos!" - repreendeu sua mãe, assim que avistou a boneca em seus dentes. A pequena sorriu, travessa, e correu para seu quarto, seguindo sua colega.

O pequeno mas aconchegante cômodo possuía uma cama de solteiro com adesivos de princesas coberta por travesseiros macios e lençóis rosas e brilhantes, um guarda-roupa branco próximo a porta de madeira refinada e uma escrivaninha ladeada por estantes de livros e cadernos de estudos. Apesar de nova, Catarina era constantemente cobrada em relação aos seus estudos, seguia uma criação rígida e reclusa, tendo apenas pequenas liberdades em sua vida.

Como brincar - apenas aos domingos após o almoço e ter feito todas suas tarefas - com sua vizinha e colega de classe Miranda de Jesus, uma criança extrovertida, que cativava todos ao seu redor, inclusive seus pais, e somente por esse motivo conseguia permissão para brincar juntas.

Catarina poderia dizer que aqueles momentos de domingo a tarde, sob a brisa fresca da primavera do Rio de Janeiro, eram o melhores momentos do curto período de sua vida, principalmente ao lado da garota que mais gostava no mundo inteiro.
Era de seu conhecimento mais secreto que Mirando fazia Catarina se sentir... estranha. Já tinha pesquisado outra vezes, quando desviava o caminho do mercado nos poucos momentos que tinha liberdade para sair de casa, e ia até a lan house tentar decifrar o que era aquele formigamento na ponta de seus dedos todas as vezes que avistava a amiga sorrir.

Por ser cobrada desde cedo em diversos âmbitos, Catarina era considerada extremamente avançada e inteligente para sua idade, se aproximava dos 13 anos de idade e era considerada um dos maiores prodígios da escolinha particular que frequentava numa área consideravelmente nobre da cidade.

A ignorância também pode ser considerada uma benção, mas, Paulo e Rose, seus pais, só descobririam isso muito mais tarde.

Além de inteligente e esperta, Catarina não era cega, mesmo numa época que tudo era baseado em restrições e superstições, sempre houve e sempre haveria aqueles rebeldes que iam contra as regras impostas pela sociedade, ou por seus próprios pais.

Lembrava-se perfeitamente do dia em que viu o primeiro casal gay em sua vida, por Deus, sua mãe só faltou cuspir no chão repreendendo o que via, porém, mal sabia que aquilo só tinha aflorado mais a curiosidade de Catarina, e foi ali, naquele pequeno detalhe, que tudo começou.

"Por que tá me olhando desse jeito?" - indagou Miranda.

"Por que você é bonita." - Catarina assistiu com prazer a outra sorrir até que suas bochechas não passassem de maças avermelhadas e inchadas. Sorriu de volta, também sem graça.

"Você também é bonita, Cat." - confessou.

Catarina mal conseguia sentir o coração bater em seu peito de tão rápido que bombeava, no auge de sua pré adolescência, com os nervos a flor da pele, ela só conseguia pensar em uma única coisa.

"Quer tentar uma coisa?" - perguntou de repente, temerosa. - "Mas você tem que prometer que não vai gritar ou contar pra ninguém!"

"Não vou Cat, pode confiar em mim."

O silêncio que prosseguiu foi quase torturante para pequena, sua mente rodava e rodava para no final parar na mesma coisa, no mesmo desejo; agora, sentia sim seu coração bater, porém lento e forte, ansioso, corroendo-se de medo e assombro.

Em passos lentos, sem desviar os olhos da outra, temendo qualquer reação negativa, Catarina se aproximou ao ponto que podia sentir o calor que a morena emanava de si, levou suas mãos a cintura de Miranda, com lembrava ter visto o casal fazer naquele fatídico dia, e seguindo seus passos Miranda envolveu seu pescoço com os braços; ficaram tão perto uma da outra que sentiam a respiração uma da outra, sentiam o nó forte subindo pela garganta e a ansiedade subindo por suas nucas. Catarina deu o último passo, virando o rosto e aproximando sua boca da amiga e sentiu levemente o roçar dos lábios macios e rosados de Miranda.

Quando de repente ouviu a porta sendo aberto e o estraçalhar de vidro quebrando no chão.

"PELO SANGUE DE JESUS CRISTO, O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO CATARINA?!" - gritou sua mãe, vermelha de tanta raiva. Sem ao menos se importar com os cacos de vidro, a mulher adentrou o quarto, pegou Miranda pelo braço e sua mochila e a arrastou porta a fora, até a casa de sua mãe, dona Lucia.

Os gritos eram escutados ao longe, foi uma discussão que levou horas para se findar, e quando enfim sua mãe retornou a sua casa, a situação não tinha melhorado. Catarina passou horas ouvindo esporro de seus pais, apanhou, ficou de castigo, e para sua infelicidade precisou se mudar.

Naquela época o morro da Rocinha não era tão perigoso como se sucederia anos depois, por isso, na mente de seus pais era uma boa opção, afinal, muitos dos irmãos da igreja moravam na favela numa área calma e tranquila do complexo. Venderam sua casa num bairro de classe média baixa, compraram e reformaram uma casa que seu próprio pastor havia recomendado, e se mudaram de vez.

Catarina nunca mais viu Miranda.
Mas nem de longe esqueceu as sensações que sentia pela garota.

As Cores do Seu Amor - Livro II | Trilogia Amor De bandidoOnde histórias criam vida. Descubra agora