Capítulo Trinta e Dois

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Então é natal...

Foi a primeira coisa que pensei quando abri os olhos naquela manhã; uma piadinha do meu subconsciente.
Amanda não tinha dormido em casa, tinha trocado de turno com formiga pra não precisar voltar pra boca no dia seguinte; chegaria  em algumas horas.

Olhei para o criado mudo e o relógio marcava 09h24min. Levantei da cama, fui até o banheiro e fiz minhas higienes matinais, escolhi uma roupa aleatória no guarda-roupa e desci para a cozinha, tensionando conferir como estava o desenrolar das coisas.

"Bom dia, meninas."

"Bom dia!" - responderam quase num coral.

"Como estão as coisas por aqui?"

"Quase tudo pronto. Falta o salpicão e terminar de decorar os bolos."

"Certo, precisam de minha ajuda?"

"Não, pode ficar tranquila menina, damos conta."

"Certo, qualquer coisa é só ligar, vou sair agora de manhã, mas volto se precisar."

"Tudo bem."

Voltei para meu quarto e troquei de roupa.

E então a insegurança começou a atormentar minha mente. Àquela era uma ideia boba, mas não seria eu se não o fizesse. Não era isso que eu tinha aprendido, não era assim que deveria ser comemorado o Natal.

Esse pensamento tinha feito morada em minha mente há várias semanas, mas protelei o máximo que pude até ficar encurralada. Não me perdoaria se passasse uma data tão importante dessa forma. Quando enfim me dei um ultimato - ontem de madrugada enquanto perdia o sono sozinha no quarto - me senti esperançosa; talvez, na altura do campeonato a poeira já tivesse baixado e tudo voltasse ao normal.

Não normal, normal, claro. Contando com o fato que agora eu ditava meus caminhos e não eles...

Mas afinal, que mudança seria essa que afirmei mentalmente se não começasse pelo começo? Eu precisava resolver essa parte da minha vida, nem que falhasse. Pelo menos teria a certeza que eu tentei resolver.

Girei a chave na ignição, dei marcha ré e sai de casa.

Rumo a casa de meus pais.

O automóvel ainda cheirava a novo, tinha poucos meses que ganhei de Amanda, assim como minha habilitação que - com muita insistência minha - eu mesma pagou a escola de direção honestamente.

As vezes era difícil pensar em Amanda e não julgar seu estilo de vida. No que isso me transformava? Estando ao seu lado sem apoiar seu "trabalho". Preferia acreditar que ambas tinham formas diferentes de ver o mundo, e, da mesma forma que ela não tentava mudar minha personalidade ou meu estilo de vida, eu também não faria com ela. Afinal, ela nunca criticou ou se intrometeu em meus estudos ou em meu trabalho, muito pelo contrário, sempre respeitou meus momentos. E, apesar de que se eu tentasse tirá-la dessa vida seria por uma boa causa, eu preferia respeitar sua escolha, assim como ela a minha.

De todo modo, havia várias versões de uma única história, a vida do crime era na verdade um ciclo sem fim de incontáveis caminhos. Por exemplo, a propina que os políticos pagavam aos policiais, juízes, advogados e entre outros para limpar sua barra também era um caminho pro crime. As falsas promessas de melhorias para os civis em época de eleição, também era um caminho para o crime, afinal, nunca vimos a nova praça ou o novo postinho prometidos. Tal como os empresários que faziam acordos injustos para roubar o dinheiro de pessoas leigas.

Tudo nesse país era um crime, afinal.

E todos tinham sangue de inocentes nas mãos.

Julgar somente os traficantes era fechar os olhos para o verdadeiro núcleo de toda aquela roubalheira.

Estacionei no alto da ladeira e sai do carro. As ruas estavam movimentadas mesmo ainda sendo cedo, os mercadinhos estavam lotados e muitas pessoas me cumprimentaram no caminho até que um dia foi minha. Algumas cochicharam, claro, não esperava menos. A essa altura provavelmente até Amanda já estava sabendo do meu destino.

Deixei o celular no carro só por precaução. Não queria ser convencida a mudar de ideia, Amanda com certeza não ficaria feliz em me ver ali.

O portão estava destrancado, mas permaneci longos minutos parada ante ele, apenas observando o lugar. O jardim estava quase totalmente morto, as flores e plantas que meu pai amava estavam secas e quebradas. De alguma forma a casa parecia possuir uma tristeza sem tamanho, emanando uma energia ruim mesmo sem ao menos eu ter entrado nela.

Me peguei sentindo medo de entrar. Medo do que iria encontrar ao passar por aquele portão. Medo das suas reações e da minha reação também.

Eu vim aqui acreditando que seria o melhor a senhora fazer. Acreditando que estava pronta, que tinha coragem, que era o momento certo. Mas estava errada.

Olhar para aquela porta me remeteu às lembranças ruins daquela noite, daqueles longos minutos tortuosos e traumatizantes.

Tencionei ir embora, entrar em meu carro e fugir de tudo aquilo, como fiz por meses desde aquele dia. Mas antes que pudesse fazer isso a porta se abriu.

"Catarina?" - chamou meu pai.

"Pai." - saiu como um sussurro mais inseguro do que desejava.

Ele parecia cansado, triste, vestia roupas aleatórias, o cabelo estava desgrenhado e estava magro. Aquela cena me doeu, me fez sentir uma culpa que não era minha. Ele caminhiu até mim parecendo surpreso demais, como se eu fosse uma miragem ou uma impossibilidade.

"O que faz aqui?" - perguntou quando se aproximou.

"Eu..." - ele abriu o portão e me puxou para um abraço apertado. A fala morreu em minha garganta e instantaneamente um nó se pregou a minha garganta.

Eu sentia falta daquilo. Do seu toque, seu abraço, seu cheiro, o conforto, o carinho, o amor, todas as sensações que somente aquele abraço transpassava para mim.
Ficamos abraçados por incontáveis minutos e quando enfim nos afastamos estavamos vermelhos por segurar o choro.

"Venha, entre, acordamos há poucas horas."

"Mamãe está aí?" - óbvio que sim.

"Não se preocupe, ela não fará nada."

Assenti sem saber ao certo o que responder e passamos juntos pelo portão.

"Catarina." - chamou meu pai quando subimos o primeiro degrau da entrada.

"Sim?" - ele olhou nos meus olhos e sorriu.

"Senti sua falta, querida."

"Eu também, papai." - confessei sinceramente.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto e expirei trêmula tentando acalmar as emoções. Novamente nos abraçamos com força.

Entramos na casa e fui bombardeada por lembranças, boas e ruins. Minha infância, minha adolescência, madrugadas de estudos, almoços em família, tardes de filmes, toda uma história de vida.

Eu queria chorar, me derramar em lágrimas, de saudades, de arrependimento, de tristeza, de felicidade, de tantas emoções misturadas que não poderia conta-las.

"Sente-se. Sua mãe está lá em cima, vou chamar ela para vocês conversarem." - disse meu pai, já indo em direção às escadas.

"Papai, espere." - chamei receosa. - "Não sei se... Se quero falar com ela."

Ele ficou paralisado no primeiro degrau absorvendo a informação, até que se afastou da escada e veio até mim.

"Eu sei. Entendo você. Mas já passou tanto tempo Catarina, e ela está realmente arrependida, mudou muito desde aquele dia." - ele parecia sincero, suspirou com força e segurou minha mão carinhosamente. - "Eu sei que deve ser muito difícil, eu também não facilitei para ela, mas... Dê uma chance para ela provar isso a você."

As Cores do Seu Amor - Livro II | Trilogia Amor De bandidoOnde histórias criam vida. Descubra agora