Capítulo Vinte e Quatro

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O domingo amanheceu nublado, carregado de nuvens cinzas e uma brisa leve. 
Tinha meses desde a última vez que choveu no Rio, portanto esse seria um dia de apreciar aquele momento raro. 

Fazendo jus a isso, logo depois do almoço, quando já estava arrumada e agasalhada, desci as escadas até a área externa da casa, era começo de tarde, 15h24min. Arrastei a espreguiçadeira até um determinado local para ficar protegida pela parte coberta da área gourmet, caso realmente chovesse. Deitei sobre a espreguiçadeira, me envolvi na manta grossa que trouxe comigo, peguei meus fones conectando pelo bluetooth em meu celular e cliquei para tocar minha playlist favorita. A música soou em meus ouvidos ocultando qualquer barulho externo, me aconcheguei em minha posição e encarei o clima fechado até que pegasse no sono. 

Acordei sentindo alguém me cutucando. Abri os olhos preguiçosamente e encarei Souza agachada ao lado da espreguiçadeira, me olhando com um sorriso sapeca. Me mexi sobre o lugar e pisquei.

"Boa noite, bela adormecida." - brincou. 

"Dormi tanto assim?" - perguntei e instantaneamente busquei meu celular ao meu redor para verificar as horas. 20h54min. - "Meu deus, dormi demais." 

"É, achei que tinha fugido de vez quando não te encontrei no quarto." - comentou. Ela se ergueu e sentou na ponta da espreguiçadeira com o corpo virado para mim. 

"Não tenho para onde fugir, para começo de conversa." 

"E se tivesse, iria?"

"Não espera que fique morando de favor em sua casa para sempre, né? Um dia vou ter que ir embora, morar sozinha ou implorar para que meus pais me aceitem de volta." - disse o final quase num sussurro doloroso. 

"Não está aqui de favor, está aqui porquê eu quero que esteja, minha casa não é abrigo, Catarina." - respondeu quase rude. - "E se deseja tanto ir embora daqui, não precisa esquentar com isso, posso providenciar um barraco tranquilo pra você." - bufei e me preparei para discordar, mas por fim soltei apenas um estalo com a língua e suspirei.
No fundo sabia que nada tiraria aquela ideia da cabeça de Amanda. 

"O que está fazendo aqui?" - perguntei mudando de assunto.

"O baile tava chato." 

"Achei que nunca escutaria isso de alguém como você."

"Como assim 'alguém como eu'?"

"Ah, alguém que vive em baile, festa, rodeada de mulheres, parece muito sua praia essa vida."

"A."

"É um estereotipo previsível."

"Pra alguém da favela tu julga muito as pessoas, sabia?!"

"Não estou julgando, estou me baseando nas suas atitudes, você mesmo criou essa visão sua para mim." 

"Que eu sou uma cafetina e vagabunda?" 

"Não usei essas palavras, você que está dizendo isso." 

Souza assentiu em concordância e soltou o ar do peito, ficamos pelos próximos minutos em silêncio, ela encarando o nada e eu brincando com o cordão que compunha em minha capa do celular. 
Até que sua voz se fez presente de novo.

"Quando era mais nova" - começou, a voz calma e profunda, como se fosse falar algo muito íntimo ou delicado. - "Queria ser policial. Meu maior sonho era ser delegada." - outra pausa. - "Acho que esse mundo perigoso sempre esteve presente em minha vida, só que eu peguei o caminho errado."

"E como chegou aqui?"

"Decisões. Tive que tomar a frente de casa pra conseguir manter a única pessoa que cuidou de mim."

As Cores do Seu Amor - Livro II | Trilogia Amor De bandidoOnde histórias criam vida. Descubra agora