capítulo 14

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Sam

Estou trabalhando na bancada da cozinha esta noite, super frustrada à medida que leio a redação que Mon "corrigiu" hoje cedo. Ela saiu da minha casa com ordens para refazer o texto, mas é tão difícil. A resposta é simples, droga! Se alguém te manda assassinar milhões de pessoas, você diz "Não, obrigada, vou deixar passar." Só que, pelos critérios estabelecidos nessa porcaria de teoria, há prós e contras em ambos os lados, e não consigo dar conta disso. Acho que sou péssima em me colocar no lugar de outra pessoa, e isso é um tanto desanimador

- Pergunta, - anuncio, enquanto Jim caminha até a cozinha.

- Resposta, - devolve ela, na mesma hora.

- Não fiz a pergunta ainda, idiota.

Sorrindo, ela lava as mãos na pia e amarra um avental rosa-choque na cintura. A aberração cheia de babados foi um presente de aniversário que Tee, Halsey e eu demos a ela de brincadeira, dizendo que se ia ser a mãe da casa, deveria se vestir para o papel. Jim rebateu insistindo que ela é mulher o suficiente para dar conta de qualquer peça de roupa que colocarmos na frente dela e agora usa o maldito avental como um distintivo de honra feminina.

- Tudo bem, vou responder, - diz, a caminho da geladeira. - Qual é a pergunta?

- Certo, você é uma nazista...

- Nazista o caralho, - exclama ela.

- Deixa eu terminar, tá legal? Você é um nazista, e Hitler acabou de mandar você fazer uma coisa que vai contra tudo o que acredita. Você diz Legal, chefe, vou matar todas essas pessoas para você ou diz 'Vá se ferrar', correndo risco de morrer?"

- Mando ele se ferrar. - Jim faz uma pausa. - Na verdade, não. Meto uma bala na cabeça dele. Problema resolvido.

Solto um gemido. - Exatamente, né? Mas esse babaca aqui... - aponto para o livro na bancada, - Acredita que o governo existe por uma razão, e os cidadãos precisam confiar em seu lider e obedecer as suas ordens para o bem da sociedade. Portanto, em teoria, existe um argumento a favor do genocídio.

Jim tira uma bandeja de coxas de frango do congelador. - Besteira.

- Não estou dizendo que concordo com essa linha de raciocínio, mas tenho que argumentar segundo o ponto de vista desse cara. - Frustrada, corro a mão pelo couro cabeludo. - Odeio essa aula.

Jim desembrulha a bandeja e a coloca no micro-ondas. - A segunda chamada é sexta-feira, né? - Ela hesita. - Você vai jogar contra o Eastwood?

Eu me alegro por um instante, porque hoje de manhã recebi a confirmação oficial do treinador de que definitivamente estarei no rinque na sexta-feira. Aparentemente, as notas só vão ser computadas na próxima segunda-feira, por isso, no momento, minha média ainda é o que precisa ser.

Na segunda-feira, se minha nota em ética for cinco ou menos, vou ficar no banco até contornar as coisas.

No banco. Puta merda. Só de pensar fico enjoada. Tudo o que quero é ganhar o Frozen Four para o meu time de novo e virar profissional. Melhor, quero estourar como profissional. Quero provar a todos que cheguei lá por mérito próprio e não porque por acaso sou filha de um jogador de hóquei famoso. E tudo o que sempre quis, e fico doente de saber que meus objetivos, para os quais me dediquei tanto, estão em perigo por causa de uma matéria idiota.

- O treinador disse sim, - digo a Jim, que comemora batendo na palma da minha mão com tanta força que chega a arder.

- Assim que eu gosto! - exclama.

Tee entra na cozinha, um cigarro apagado pendurado no canto da boca.

- Melhor não fumar aqui dentro, - adverte Jim. - Linda vai acabar com a sua raça.

- Estou indo lá para os fundos, - promete Tee, porque sabe que é melhor não criar problemas com a proprietária da casa. - Só queria avisar a vocés que, hoje à noite, Demi e as garotas vão vir assistir ao jogo do Bruins aqui em casa. - Estreito os olhos.

- Que garotas?

Tee pisca com inocência. - Você sabe, Demi, Kate, Kehlani, Ashley se parar de frescura e sair daquele alojamento. Hmm... Cassie e Lisa. Claire. Ah, e Keana também, e...

- O time inteiro, você quer dizer, - eu a interrompo, secamente, antes que liste todas as outras jogadoras.

- E as namoradas e namorados, as que têm, - Ela olha para Jim e para mim. - Tudo bem, né? Não vamos virar a noite nem nada assim.

- Contanto que cada uma traga a própria bebida, por mim tudo bem, - responde Jim. - E se Alice vier, melhor trancar o armário de bebidas.

- A gente pode colocar no quarto da Sam. -  diz Tee, com um riso de escárnio.

- Aposto que não vai beber uma gota.

Jim me olha com um sorriso. - Tadinha, Quando vai aprender a beber que nem gente grande?

- Ei, sei beber muito bem. O problema é o dia seguinte. Além do mais, sou a capitã. Alguém tem que ficar sóbria para manter esse bando de loucas na linha.

- Valeu, mãe. - Tee faz uma pausa, depois balança a cabeça. - Na verdade, não, você é a mãe, - diz para Jim, sorrindo para o avental dela, antes de se voltar para mim. - Acho que isso faz de você o pai. Vocês duas são mesmo bem 'familia'.

Ambas mostramos o dedo do meio para ela.

- Ah, mamãe e papai tão bravos comigo? - Ela solta um suspiro fingido. - Vocês vão se separar?"

- Não enche, - diz Jim, mas está rindo.

O forno apita, e Jim tira o frango descongelado e começa a preparar nosso jantar enquanto faço meu dever de casa na bancada. E não é que a cena toda é familia pra caramba?

𝐎 𝐚𝐜𝐨𝐫𝐝𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora