capítulo 35

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Mon

Meu telefone apita logo antes da meia-noite, mas não estou dormindo. Na verdade, nem vesti o pijama ainda. No segundo em que cheguei em casa depois do trabalho, peguei o violão e voltei ao trabalho. Agora que Austin complicou minha vida da forma mais egoísta e vingativa possível, coisas como "colocar o sono em dia", "relaxar" e "não entre em pânico" não existem mais. Pelo próximo mês, serei praticamenteum zumbi, a menos que encontre, magicamente, um jeito de conciliar faculdade, trabalho, Sam e ensaios sem ter um colapso nervoso.

Baixo o violão e dou uma olhada no celular. É Sam.

Ela: Não consigo dormir. Acordada?

Eu: Tá com segundas intenções?

Ela: Não. Quer que esteja?

Eu: Não, tô ensaiando. Totalmente estressada.

Ela: Mais uma razão pra segundas intenções.

Eu: Pode ir sossegando o facho. Pq você não consegue dormir?

Ela: Tudo dói.

Sinto uma onda de pena tremular em minha barriga. Sam tinha ligado mais cedo para dizer que elas perderam o jogo, e aparentemente ela levou umas pancadas feias esta noite. Da última vez que conversamos, ainda estava botando bolsas de gelo pelo corpo inteiro.

Estou com muita preguiça de digitar, então ligo, e Sam atende no primeiro toque.

Sua voz suave preenche meu ouvido. – Oi.

– Oi. – Eu me recosto contra o travesseiro. – Desculpa não poder ir até aí beijar todos os seus dodóis, mas estou trabalhando na música.

– Tudo bem. Só tem um dodói que quero que você beije, e você parece distraída demais para isso. – Ela faz uma pausa. – Tô falando do meu pau, viu?

Contenho uma risada. – É. Entendi. Não precisa explicar.

– Já decidiu qual música vai cantar?

– Acho que sim. A que cantei para você no mês passado, quandoestávamos estudando. Lembra?

– Lembro. Era triste.

– Triste é bom. Gera mais impacto emocional. – Hesito. – Esqueci de perguntar hoje mais cedo... seu pai foi ao jogo?

Uma pausa. – Nunca perde um.

– Tocou no assunto do dia de Ação de Graças de novo?

– Não, ainda bem. Nem sequer olha para mim quando a gente perde, então não imaginei que estaria a fim de papo. – A voz de Sam é repleta de amargura, e a ouço limpando a garganta. – Coloca no viva-voz. Quero ouvir você cantar.

Meu coração está apertado de emoção, mas tento esconder a reação, adotando um tom descontraído. – Quer que eu cante uma música de ninar, coisinha linda da mamãe?

Ela ri. – Parece que meu peito foi atropelado por um caminhão. Preciso de uma distração.

– Tudo bem. – Aperto o botão de viva-voz e pego o violão. – Sinta-se livre para desligar se ficar entediada.

– Linda, eu poderia assistir a você vendo a tinta secar e não ficaria entediada.

Samanun, minha galanteadora pessoal.

Coloco o violão no colocanto a música desde o início. Minha porta está fechada, e, embora as paredes do quarto sejam finas, não me preocupoem acordar Yuki. A primeira coisa que fiz depois que Fiona me deu a notícia foi dar a Yuki um par de protetores auriculares e avisá-la que, até o festival, vou virar noites cantando.

Estranhamente, não estou mais com raiva. Estou aliviada. Austin tinha transformado o nosso dueto num número espalhafatoso e cheio de firulas, do tipo que desprezo. Então, por mais irritante que seja levar um fora, a melhor coisa é não ter que cantar com ele.

Repasso a música três vezes, até que minha voz fica rouca, e preciso parar e virar a garrafa d’água que tenho na mesinha de cabeceira.

– Ainda aqui, sabia?

A voz de Sam me assusta. Então rio, porque sinceramente tinha me esquecido de que ela estava na linha. – Não consegui colocar você para dormir, né? Não sei se deveria me sentir lisonjeada ou insultada.

– Lisonjeada. Sua voz me dá calafrios. É impossível dormir.

Sorrio, mesmo que ela não possa me ver. – Preciso dar um jeito neste último refrão. Fechar com uma nota alta ou baixa? Hmmm, talvez devesse mudar a parte do meio também. Quer saber? Tenho uma ideia.Vou desligar agora para resolver isso, e você precisa ir dormir. Boa noite.

– Mon, espere, – ela chama, antes que eu possa desligar.

Tiro o telefone do viva-voz e o levo ao ouvido. – O que foi?

Recebida pela pausa mais longa do mundo.

– Sam? Você está aí?

– Hmm, estou. Desculpa. Ainda aqui. – Uma respiração pesada corta a chamada. – Vem comigo para o dia de Ação de Graças?

Fico paralisada. – Sério?

Outra pausa, ainda maior que a primeira. Chego a achar que vai retirar o convite. E acho que não ficaria chateada se o fizesse sabendo o que sei sobre o pai de Sam, não tenho certeza se posso me sentar uma mesa de jantar com o sujeito sem pular no pescoço dele.

Que tipo de homem bate na própria filha? Na filha de doze anos de idade.

– Não posso voltar lá sozinha, Mon. Vem comigo?

Sua voz falha nas últimas palavras, o que me parte o coração. Deixoescapar um suspiro e digo: Claro que vou.

𝐎 𝐚𝐜𝐨𝐫𝐝𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora