capítulo 39

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Sam

O sangue lateja em meus ouvidos. Ouço Mon me chamando, mas não consigo parar de me mover. É como se estivesse vendo o mundo através de uma névoa vermelha. Entrei no piloto automático, transformando-me num missil teleguiado programado para acertar babacas e viajando em linha reta na direção de Wesley.

O filho da mãe que ajudou o estuprador de Mon a se safar.

– Wesley.

Seus ombros se enrijecem. Várias pessoas olham para nós, mas só estou interessada em uma no momento. Ele se vira, os olhos escuros cintilando momentaneamente de pânico ao me notar. Ele me viu conversando com Mon. Provavelmente sabe o que ela me contou.

Diz algo para os amigos e se afasta apressado do grupo. Meu queixo vira uma pedra à medida que se aproxima de mim, cauteloso.

– Quem é você? – murmura.

– A namorada da Mon.

Sua expressão de medo é inconfundível, mas ainda continua tentando dar uma de descontraído. – Ah, é? E o que você quer?

Inspiro, tentando me acalmar. Não fico calma. Nem um pouco. – Só queria conhecer o idiota que foi cúmplice de um estuprador.

Há um longo momento de silêncio. Em seguida, ele fecha a cara para mim. – Vai se foder. Você não sabe nada de mim, garota.

– Sei tudo de você, – corrijo, o corpo todo tremendo de fúria mal contida. – Sei que deixou seu amigo drogar minha mulher. Sei que ficou de guarda enquanto ele a levava lá pra cima, para machucá-la. Sei que cometeu perjúrio depois, para salvar a cara dele. Sei que é um bosta sem consciência.

– Vai se foder, – repete, mas sua autoconfiança vacila. Parece aflito agora.

– É sério? Vai se foder? Isso é tudo que tem a dizer? Acho que faz  sentido. – Engulo a bile revestindo minha garganta. – Você é um covarde incapaz de defender uma garota inocente. Então por que teria coragem para defender a si mesmo?

As acusações amargas desencadeiam sua raiva. – Sai da minha frente, garota. Não vim aqui para ficar sendo atacado por uma jogadora idiota. Volta lá pra vagabunda da sua namorada e...

Ah, isso não, porra.

Meu punho dispara.

Depois disso, é tudo um borrão.

As pessoas estão gritando. Alguém agarra a parte de trás do meu casaco, tentando me tirar de cima de Wesley. Minha mão lateja. Sinto gosto de sangue na boca. É como uma experiência extracorpórea que não posso nem descrever, porque não estou lá. Estou perdida numa névoa de raiva descontrolada.

– Sam.

Alguém me joga contra uma parede, e, instintivamente, lanço um gancho de direita. Tenho um vislumbre do vermelho, ouço meu nome de novo, um cortante e enfático – Sam – e minha visão clareia a tempo de ver o sangue escorrendo do canto da boca de Tee.

Ah, merda.

– Sam. – Sua voz é baixa e ameaçadora, mas não há dúvida da preocupação pairando em seus olhos. – Sam, você tem que parar.

Todo o oxigênio em meus pulmões sai num rojão. Olho ao redor e deparo comum mar de rostos me fitando, ouço vozes abafadas e sussurros confusos.

Por fim, o treinador aparece, e, de repente, me dou conta da gravidade do que acabei de fazer.

Duas horas depois, estou diante da porta de Mon e quase não tenho forças para bater.

Não me lembro da última vez que alcancei um nível tão intenso de cansaço. Em vez de comemorar a vitória com o time, fiquei mais de uma hora na sala do treinador ouvindo-o gritar comigo sobre brigas dentro da universidade. Que, por sinal, me rendeu uma suspensão de um jogo. Para ser sincera, estou surpresa que a punição não tenha sido mais severa, mas, depois de o treinador e alguns outros funcionários da Briar ouvirem toda a história que eu tinha para contar, decidiram pegar leve comigo. Mon tinha me dado permissão para explicar seu histórico com Wesley, porque não queria que eles pensassem que sou alguma psicopata que sai por aí atacando torcedores de hóquei aleatórios sem razão, mas ainda me sinto um lixo por compartilhar seu trauma com meu treinador.

𝐎 𝐚𝐜𝐨𝐫𝐝𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora