capítulo 30

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Sam

Quando a porta da frente se abre, estou bastante apreensiva, porque meio que espero que Mon apareça em alguma fantasia ridícula numa tentativa de me contagiar com o espírito do Halloween e me convencer a ir à festa do alojamento.

Por sorte, é a Mon de sempre que passa a cabeça pela porta da sala de estar e olha para mim. E isso significa que está linda de morrer, e meu pau logo se manifesta. O cabelo está preso num rabo de cavalo baixo, com a franja penteada para um dos lados, e está usando um suéter vermelho folgado e calça de ginástica preta. E as meias, claro, são rosa-choque.

- Oi. - Ela senta ao meu lado no sofá.

- Oi. -Passo o braço à sua volta e dou um beijo em sua bochecha, o que parece a coisa mais natural do mundo a se fazer.

Não tenho a menor ideia se sou a única que se sente assim, mas Mon não se afasta, nem zomba de mim pelo comportamento típico de namorada. Entendo isso como um sinal promissor.

- E aí? Por que desistiu da festa?

- Não tava no clima. Fiquei imaginando você aqui chorando sozinha e a pena foi maior.

- Não tô chorando, besta. - Aponto para o documentário maçante sobre leite que está passando na TV. - Mas tô aprendendo sobre pasteurização.

Ela me encara, embasbacada. - Vocês pagam uma grana para assinar um milhão de canais e é isso que você escolheu ver?

- Na verdade, eu tava mudando de canais e passei por esse, vi um monte de teta de vaca e, sabe como é, fiquei excitada e...

- AFFF!

Caio na gargalhada. - Tô brincando, gata. Na real, as pilhas do controle acabaram e sou preguiçosa demais para levantar e mudar de canal. Tava assistindo a uma minissérie fantástica sobre a Guerra Civil antes de as tetas aparecerem.

- Você realmente curte história, né?

- É interessante.

- Algumas partes. Outras, não muito. - Ela deita a cabeça no meu ombro, e eu brinco, distraída, com uma mecha de cabelo que se soltou do seu penteado. - Fiquei triste por causa da minha mãe, hoje de manhã, - confessa.

- É? Por quê?

- Ela ligou para dizer que talvez eles também não possam sair de Ransom para o Natal.

- Ransom? - Pergunto, sem entender.

- A minha cidade. Ransom, em Indiana. - Uma pitada de rancor transparece em sua voz. - Também conhecida como 'amostra grátis do inferno'.

Meu estado de espírito logo se torna mais sombrio. - Por causa do...?

- Do estupro? - Pergunta, com ironia. - Você pode falar a palavra, sabe? Não é contagiosa.

- Eu sei. - Engulo em seco. - É só que não gosto de dizer porque torna tudo mais... real, acho. E não consigo suportar a ideia de que tenha acontecido com você.

- Mas aconteceu - Diz ela, baixinho. - Não dá para fingir que não.

Ficamos em silêncio por um instante.

- Por que seus pais não podem visitar você? - Pergunto.

- Dinheiro. - Ela suspira. - Se você tiver se interessado por mim achando que eu fosse herdeira de alguma coisa, é melhor saber logo que estou na Briar com bolsa integral e que recebo auxílio financeiro para meus gastos. Minha família tá falida.

- Pode ir embora. - Aponto a porta. - É sério. Pode ir embora.

Mon me mostra a língua. - Engraçadinha.

𝐎 𝐚𝐜𝐨𝐫𝐝𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora