capítulo 36

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Mon

A casa do pai de Sam não é a mansão que eu esperava, mas umacasinha geminada de arenito vermelho, em Beacon Hill, o que imaginoser o equivalente a uma mansão quando se trata de Boston. O bairro,no entanto, é lindo. Já estive em Boston várias vezes, mas nunca nesta área chique, e não posso deixar de admirar a fileira de casas belíssimas do século XIX, as calçadas de tijolos e os antigos postes de lampião a gás ladeando as ruas estreitas.

Sam mal fala uma palavra durante o trajeto de duas horas até acidade. A tensão emana de seu corpo sob a roupa social em ondas constantes e palpáveis, o que só me faz ficar mais nervosa. E sim, digo sobre a roupa social, porque ela está de calça social preta, uma camisa de botão impecável, blazer feminino preto e uma pequena abertura na camisa que deixa um lindo decote. O tecido caro envolve seu corpo como algo saído de um sonho, e nem a cara feia constante é capaz de reduzir sua sensualidade.

Aparentemente, seu pai exigiu que usasse algo assim. E quando Kasem Anuntrakul  descobriu que a filha iria acompanhada, também pediu que me vestisse formalmente, daí o meu vestido azul de festa, que usei no festival de primavera. O tecido sedoso vai até o joelho, e combinei com sapatos prateados de salto dez que fizeram Sam sorrir quando apareceu à minha porta, pois segundo ela agora talvez fosse capaz de me beijar sem ter que dobrar o pescoço.

Somos recebidas à porta não pelo pai de Sam, mas por uma loira bonita num longo vermelho. Também está com um casaquinho de renda preto de manga comprida, o que me parece estranho, já que a temperatura dentro de casa está a um milhão de graus. Juro, está muito quente aqui, então faço questão de tirar rapidamente meu sobretudo na ante sala elegante.

– Sam – Cumprimenta a mulher, calorosamente. – Que bom conhecer você. Finalmente.

Aparenta estar na casa dos trinta, mas é difícil julgar, porque tem o que costumo chamar de "olhos velhos". Aquele olhar profundo e experiente que revela que uma pessoa que tem a experiência de diversas gerações. Não sei por que acho isso. Nada em sua roupa elegante ou no sorriso perfeito sugere que tenha passado por alguma situação difícil, mas a sobrevivente em mim logo sente uma conexão com ela.

Sam responde com um brusco, mas educado: Bom conhecer você também...?

Ela deixa a frase no ar, e os pálidos olhos azuis da mulher tremulam de infelicidade, ao perceber que o pai de Sam não tinha dito a filha o nome da namorada.

Seu sorriso vacila por um instante, antes de reaparecer. – Cindy – Ela completa a frase. – E você deve ser a namorada da Sam.

– Mon – Apresento-me, apertando sua mão.

– Muito prazer. Seu pai está na sala de visitas – Anuncia ela a Sam. – Está muito ansioso para ver você.

A bufada de sarcasmo que vem da direção de Sam não passa despercebida nem para Cindy nem para mim. Aperto a mão da minha namorada num aviso silencioso para ser gentil, perguntando-me o tempo todo o que ela quis dizer com "sala de visitas". Sempre achei quea sala de visitas fosse onde as pessoas ricas se reuniam para beber conhaque antes de passarem ao salão de jantar de trinta lugares.

Mas o interior da casa é muito maior do que parece pelo lado de fora. Passamos por duas salas, uma de estar e outra também de estar - antes de chegarmos à sala de visitas. Que parece... outra sala de estar. Penso na casa apertada dos meus pais em Ransom e em como aqueles míseros três cômodos quase os faliram, e sinto uma onda de tristeza. Não me parece justo que um homem como Kasem tenha todas estas salas e o dinheiro para mobiliá-las, enquanto pessoas boas como os meus pais têm que trabalhar tão duro para manter um teto sobre acabeça.

𝐎 𝐚𝐜𝐨𝐫𝐝𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora