Doctors

Thirty-Second

Narradora Point Of View

a tarde se afasta

e o céu está cinza

a noite aparece sem você

calado na praia

te choro em silêncio outra vez

Ele abriu os olhos antes mesmo do som do despertador ecoar pelo quarto. Sem cerimônia, moveu o corpo para fora da cama e seguiu até ao banheiro onde fez toda a sua higiene matinal, deixando que mais uma vez os pensamentos tomassem conta da sua mente. Não é como se ele mesmo pudesse fugir daquilo, então apenas se permitia sentir uma e outra vez.

Calça social azul escura, camisa de gola alta e mangas compridas repousaram em seu corpo bonito, embora igualmente marcado pelas linhas do tempo. No pulso esquerdo seu relógio de prata, e após recolher o celular, as chaves do carro e a mochila que estava largada na pequena poltrona, deixou o quarto. E enquanto caminhava pelo corredor amplo, muito diferente do seu antigo apartamento, poderia perfeitamente ouvi-la. Como em todos os outros dias naqueles sete longos e exaustivos anos, ela estava atrás do balcão de mármore e cantava. Naquela manhã em especial usava calça jeans, camisa branca e saltos. Os fios loiros, antes com cachos muito bem formados, estavam lisos e presos em um rabo de cavalo que alcançava até a base da coluna.

_ Oh, você acordou.- Sorriu, ao notar a presença dele. Tão linda, tão delicada... Tão sua.- Hoje vamos de panquecas com chocolate quente e frutas, se importa?.- Perguntou, fixando o verde tão familiar no rosto dele, que simplesmente contornou o balcão e envolveu-a em um abraço apertado. Era rotina...Algo deles. Ela era pequenina, então precisou se esticar toda, apesar dos saltos, para alcançar o rosto dele e lhe beijar na bochecha.- Bom dia, Pai.- Sorriu, exibindo as covinhas bonitas. Essa era provavelmente uma das poucas coisas que permaneceram intactas no rosto dela depois de tanto tempo.

_ Bom dia, minha princesa.- Sorriu e então lhe beijou a testa demoradamente.- E respondendo a sua pergunta, não, eu não me importo de ser panqueca com chocolate quente hoje.- Confirmou, o tom de voz delicado.- Precisa de ajuda?

_ Tudo sobre controle, chefe.- Respondeu com uma careta engraçada, o que lhe fez rir brevemente.

Pouco tempo depois, os dois estavam sentados na mesa, um de frente para o outro enquanto comiam. O clima em si era leve, porque ela não o permitia ser diferente. Ao contrário dele, que com o passar do tempo tornou-se um tanto mais calado... pensativo, embora tentasse com tudo de si fazê-la sentir-se amada de todas as formas.

Porque afinal, que culpa ela tinha do vazio que habitava em seu coração?

me afogo nessa saudade, não posso viver

as ondas não me falam de você

sentado na areia

escrevo seu nome outra vez

_ Posso ir com você hoje?.- Perguntou, atraindo a tenção dele, que mexia no celular. O pequeno almoço havia terminado e estavam prontos para seguirem com suas rotinas diárias.- Depois das aulas vou ao cinema com a Alicia, e como ela vem me deixar aqui no final do dia, não vejo a necessidade de ir dirigindo.- Explicou, o semblante tranquilo.- Se importa?

_ Nem que você fosse a pessoa mais detestável do mundo, Blair.- Negou com a cabeça, e a pequena riu, a pontinha da língua entre os dentes. Ela tinha o próprio carro a meses agora, mas vez ou outra optava por ir com ele.

Os dois saíram algum tempo depois. Viviam em um condomínio residencial muito bem cuidado e modéstia parte, bastante luxuoso. Em um certo dia, exatamente seis meses depois da partida dela, ele decidiu que simplesmente não seria capaz de viver ali com tantas lembranças espalhadas por todos os lugares, e ali estavam.