Prólogo: Para aqueles que preservam a fé

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Observo a grande igreja, a maior da cidade, e respiro fundo

Olho para o céu e vejo nuvens escuras, uma fina gota de água cai na minha testa coberta pelo capuz que eu usava, fecho os olhos mentalizando tudo que eu pretendia fazer para sair como vencedora, se eu cheguei aqui foi por um motivo, não morreria aqui depois de tudo que passei.

—Zanaina, estais certa de que desejais realizar tal feito por vós mesma? Posso acompanhar-vos.— Isabel segura a minha mão me impedindo de dar mais um passo, seus olhos azuis como o oceano me olhavam com preocupação, poderia até mesmo ver lágrimas nascendo.

—Não, Isabel. Cumpre a mim sozinha esta tarefa. Aguardai-me aqui fora e, em momento algum, adentrai.— Digo apertando sua mão, percebi que ela segurava seu terço com força.

Ainda era estranho falar tão formalmente, mas se não fosse assim, ela não conseguiria me entender com clareza, e nessa altura do campeonato nada poderia dar errado.

—Que Deus vos proteja, querida Zana.— Ela me olha com doçura e eu sorrio genuinamente, ela era católica mas em nenhum momento duvidou da minha mediunidade e confiou em mim cegamente durante todo esse processo.

—A Deusa Mãe me protegerá, Isabel.— Falo com firmeza e a vejo sorrir, satisfeita pela minha resposta.

Solto suas mãos quando percebo que já perdi tempo demais do lado de fora, encaro mais uma vez a porta da igreja e empurro para entrar.

Observar mais uma vez a estrutura tão grande e intimidadora me causava arrepios por todo o corpo, os santos pareciam me olhar diretamente, e toda a aura da igreja cheirava a energia negativa. Ela estava vazia e silenciosa, se não fosse a sua postura ereta e grande no altar, eu imaginaria que estivesse sozinha aqui.

Ele estava de costas, vestindo suas roupas tradicionais de padre, contorci meu rosto em uma careta desgostosa ao lembrar que tudo era apenas uma faxada das atrocidades que ele fazia com seus fiéis. Queria que Clyde estivesse aqui, me sentiria mais confiante.

—Senhorita Viturino.— Sua voz preencheu a igreja em um eco perfeito, ele não virou para trás, mas óbvio que ele saberia que eu viria uma hora ou outra.

Ele tirou algo de mim, e eu quero de volta.

—Padre Antônio Batista.— Ao contrário de sua voz descontraída, a minha era de nojo por pronunciar tal nome insignificante e maldito para mim.

—O que a trouxe até aqui? Embora eu já possa imaginar.— Ele finalmente se vira e seus olhos cravaram em mim, quase solto uma risada debochada, mas me contive.

—Libere Amare e Thauan. Eles não são mais escravos e são livres.

—Em nome de quem? Da senhorita? Certamente que não, pois não tens poder algum aqui. És apenas uma bruxa... uma bruxa poderosa, que está proibida de pisar em qualquer igreja.— Sua voz estava mais ríspida, mas não abaixei a minha guarda.

—Amaldiçoou-me uma vez, dizendo que queimaria se eu entrasse na casa do Senhor, mas o próprio mal habita aqui dentro: você.— Falo em completo asno, seus olhos escuros se encheram de raiva.

—És acusada de bruxaria e, para aqueles que preservam a fé, serás queimada em breve!

—Estou aqui para revidar a situação. Libere Clyde da agonia. Se desejas a mim, deixe todos os meus amigos fora disso.— Sei sorriso nojento se fez presente, finalmente tendo o que queria todo esse tempo.

Eu sei, era uma burrice apelar para isso, mas só eu e meus amigos sabemos o que o padre Antônio era capaz, não consigo imaginar o que ele estava fazendo com Amare e Thauan.

—Todos têm um pedaço de você, e eu quero você por inteiro. Zanaina Viturino, nada restará de sua família nem de sua linhagem. Isso termina aqui, nesta época.— Todo nosso ambiente mudou sem que eu perceba.

Já não estava mais na igreja, mas sim, na praça principal de imperial. Pessoas gritavam palavras de ódio e me jogavam coisas, eu estava presa pelos braços e pernas em uma espécie de tronco gigante, embaixo de mim tinha folhagens secas. Procuro com desespero meu gato e protetor clyde, ou um dos meninos que são tão sobreviventes quanto eu, mas não encontro ninguém, apenas Isabel que chorava e suplicava com seu terço na mão.

—Zanaina Viturino, mulher de vinte e cinco anos, de cabelos como fogo, acompanhada de um gato preto, acusada de xamanismo e bruxaria, vós sois considerada a maior bruxa solitária do Imperial, tida como a mais perigosa feiticeira da redondeza. Condenada à fogueira pelo Padre Antônio Batista no dia dezenove de junho do ano de mil quinhentos e oitenta.— Um homem com crucifixo em seu pescoço diz em voz alta, e toda a população gritava em comemoração.

O homem tinha uma tocha de chamas vivas em suas mãos e senti meu coração inteiro parar, encontro o Padre Antônio entre a população e o mesmo me olhava com total satisfação, seus olhos em tons de vermelho vivo e dentes afiados me revirou de ódio.

Não cheguei até aqui para morrer por um Sanguinarius.

Não mesmo.

O Preço do Sacrifício [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora