YOKO

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Meu nome é Yoko, vivo uma vida tranquila, apesar da juventude dos meus 19 anos, não me enquadrava no perfil de uma jovem da minha idade, aventuras e irresponsabilidades nunca estiveram presentes de forma acintosa em minha vida, apesar de me divertir de maneira saudável.

Era Virginiana, e como não podia ser diferente, tudo que eu fazia era pautado numa linha tênue entre o certo e o errado, o que é socialmente aceito ou não. Minha personalidade mais conservadora me impedia de certos atos, me autocensurava, buscando sempre dar o melhor, ser a melhor. Essa mania de perfeição que era constante em mim.

Vinha de uma família tradicional, pais separados. Meu pai era empresário, enquanto minha mãe uma estilista famosa que vivia rondando colunas sociais, apesar de não ter o mínimo interesse em holofotes, entendia que aquele era o trabalho dela, e o quanto ela se esforçou para chegar até ali.

Estudava Direito, cursava o sétimo período, pretendia seguir a carreira de advogada, apesar de saber as mazelas que a profissão padecia.

Tinha dois irmãos, Malee o mais velho, e Angue, que faleceu quando ainda criança éramos gêmeos e até hoje sinto que algo em mim está faltando, talvez essa experiência, apesar de traumática, tenha servido para que eu desse mais valor a vida e as pessoas a minha volta.

Namorava Rafael há 2 anos, e sabe quando você tem a sensação de que nasceu para amar alguém? O frio na barriga só de estar perto? Vontade de passar a vida inteira do lado de alguém? Pois é, nunca senti isso, mas para quem o tem muitas emoções na vida acredito que essa relação seja certa, é confortável, estou no controle, sei o que correu, o que está acontecendo e o que irá acontecer.

Ele me tratava bem, tinha caráter, tinha os mesmos propósitos que os meus, era uma boa companhia, e naquele momento aquilo me bastava.

Até aquele momento...

Minha mãe havia me lembrado que tio Ploy vinha nos visitar e em comemoração um jantar os aguardava. Dessa vez vinha com a noiva, namorada, esposa, não sabia bem, trocava de mulher frequentemente.

--Espero que não tenha esquecido do jantar hoje, filha. – Minha mãe havia dito pela terceira vez em um só dia.

--Bem que queria esquecer. –Disse com enfado já prevendo o que estava por vir.

--Não fale assim, ele é meu irmão, seu tio. Não quero desavenças na família.

--Diga isso a ele, não sou eu quem se apossou da herança deixada por meus avós— falei por impulso

Disse tão espontaneamente e por quase um segundo me arrependi ao ver o olhar triste de minha mãe sobre mim. Não queria magoá-la, mas minha mãe era daquelas pessoas que tem o coração grande demais, perdoava fácil demais, esquecia.  Fui até ela e depositei um beijo em seu rosto.

--Desculpa, não quis te magoar. Estarei lá para recebe-los, não se preocupe.

Apesar da pouca idade, recordava de ter passado minha infância vendo minha mãe trabalhando dias a fio, para salvar a empresa dos meus avos, enquanto Ploy  torrava a herança, deixando um rastro de dívidas.

Nessa época ainda morávamos na Tailandia, somos de lá, migramos para o Brasil tem uns 15 anos, logo após a divisão da herança, meu tio continuou lá, com tudo.

Agora, anos mais tarde, tentava passar uma imagem de homem correto, empresário de sucesso, responsável. A quem ele queria enganar, eu não sei, mas a mim não convencia.

Agora ele viria apresentar sua namorada, não a conhecia, apesar de mamãe ter dado boas referências. Difícil de acreditar na credibilidade de alguém que namora com Tio Ploy. Deve ser mais uma dessas mulheres fúteis que só pensam em dinheiro.

Enfim, já estava no meu quarto, pronta para me arrumar, apesar de mamãe ter dito que seria um jantar simples, só com a família, não deixei de me precaver e vesti algo mais formal.

Um vestido amarelo com detalhes dourados, salto alto, uma maquiagem leve realçando meus olhos e os cabelos pretos soltos que iam quase até a cintura

Do meu quarto já podia ouvir musica instrumental que tocava, desci a escada dando de cara com rostos conhecidos, alguns primos distantes, amigos da família. Cumprimentei todos educadamente enquanto me sentava no sofá, acompanhando a festa de maneira distante, enquanto era servida com vinho pelo garçom.

Ouvi um burburinho vindo da sala principal, levantei já sabendo o que me esperava, aproximei e de longe vi o casal que ainda de costas era rodeado  de pessoas que cumprimentavam.

A mulher  tinha os cabelos pretos numa trança francesa, o vestido mostrava parte das costas, uma pele muito clara parecia delicada de mais.

Não sei ao certo o que aconteceu comigo, quando ela se virou e aqueles olhos se encontraram com os meus.  Foram segundos, mas o suficiente para me deixar paralisada.

Pretos, profundos demais.

Misteriosos, eu diria.

O que pareceu segundos foi o suficiente pra fazer meu coração disparar. Aliás, qual a necessidade de bater tão descompassado?  Era apenas Tio Ploy e a namorada.

Nosso contato foi quebrado quando mais uma pessoa foi cumprimentá-la dando boas vindas. Não sei o por quê, mas algo me dizia que aquilo não era bom, virei de costas e caminhei até a mesa onde serviam bebidas, minha boca estava seca, e enquanto bebia em pequenos goles a taça de vinho sentia alguém me observar. Senti minha nuca queimar, tamanho desconforto que sentia.

''Visão periférica''—Pensei, mas evitei olhar para trás, não queria dar de cara com aquele universo escuro que eram seus olhos.

A voz de mamãe, próxima a mim me tirou da abstração do meu pensamento.

--Filha, vem cá cumprimentar seu tio! –Falou animadamente enquanto segurava minha mão.

Suspirei, contei até 10, deixei a taça sobre a mesa com receio de derramar o vinho, tamanho era o tremor das minhas mãos.

Caminhei até eles, sendo observada minuciosamente por ela, que me sorria de forma contida.

--Ora vejam só, se não é minha sobrinha! —Tio Ploy me abraçou sorrindo.—Quero que conheça P'faye, minha namorada.

Ela me cumprimentou com dois beijos na face, senti meu rosto queimar no simples roçar dos lábios dela em minha bochecha.

--Prazer, Faye.—Disse coma voz baixa, quase sussurrada.

--Mas pra que tanto formalismo, ainda mais agora que ela será sua tia.—

Sorri sem graça para ela, em resposta ao sorriso aberto que ela me deu.

--E qual é o nome da minha sobrinha? –Perguntou com um sorriso divertido nos lábios enquanto os olhos que bailavam sobre mim pareciam curiosos e analíticos demais.

--Yoko- disse ríspida, querendo a todo custo dispersar meus pensamentos

--filha do sol, puro calor...—

--Como? –Falei sem entender o que ela queria dizer com aquilo

--O significado do seu nome...-Disse me sorrindo, olhando em meus olhos.

--É um nome lindo, eu que escolhi, nome tão lindo quanto meu bebê—Mamãe falou apertando minha bochecha e beijando o alto da minha cabeça.

Não precisava daquilo tudo, ali não, não na frente daquela mulher que nem sequer conhecia, mas me senti profundamente constrangida em saber que ela presenciou aquela cena, minha mãe me tratando como criança. Definitivamente constrangedor.

Aproveitei a conversa entretida entre minha mãe e Ploy, e pedi licença, dei voltas pelo salão principal tentando inutilmente acalmar o turbilhão de sentimentos confusos que habitavam meu peito. Por algum motivo, até então desconhecido por mim, não fui ao jantar aquela noite, disse a mamãe que não estava me sentido muito bem, que ia deitar.

Achando que uma boa noite de sono seria capaz de dissipar meus sentimentos dúbios, enganei-me.

Foram os olhos Pretos que estiveram presentes em meus sonhos.

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