Sangue Será O Preço - Capítulo 39

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Meia-hora, uma, talvez duas outras três, passaram-se, mas Aemond não dormiu. Permaneceu ali, acordado, observando-a.

Ele voltou o olhar para Astraea, adormecida. As longas pestanas que repousavam sobre as bochechas agora rubras pelo choro recente, o cabelo espalhado pelo travesseiro como uma coroa desfeita. Mesmo vulnerável, mesmo quebrada, ela continuava sendo a criatura mais magnífica que ele já havia visto.

Ali, tão exposta, parecia uma versão irreconhecível da mulher que ele viu em Harrenhal, junto de Alys Rivers.

Fazia sentido, afinal. O primeiro estágio do luto, o primeiro golpe que a alma sente: o ódio. Ela devia ter sentido o ódio pulsar nas veias, ao descobrir que Harwin não havia simplesmente morrido. Havia sido assassinado. Brutalmente. A ficha caíra com a força de um machado, e o luto se transformara em uma chama violenta.

Mas ali estava Astraea, suave e vulnerável, repousando naquela cama. Ao lado dele. Sem uma adaga debaixo do travesseiro, sem barreiras visíveis ━━ apenas ela, entregue ao sono. Nenhuma armadura, nenhuma fortaleza erguida diante dele.

Será que, finalmente, ela confiava nele? Será que, por fim, não o via mais como um inimigo ━━ algo que ele nunca havia sido, e jamais seria? A simples possibilidade disso fez algo se aquecer no peito de Aemond, um sentimento tão raro quanto reconfortante.

Por isso, ele se manteve acordado, apenas observando-a, como uma sentinela silenciosa, vigilante até mesmo contra os pesadelos que pudessem atormentá-la.

Pois se algum monstro ousasse invadir os sonhos de Astraea, seria ele; apenas ele.

Aemond sentiu um desconforto no rosto e, então, lembrou-se do tapa-olho. Estava na cama com ele, porque não conseguia tirá-lo. Era impossível, ali, diante de Astraea. Havia algo melodramático e irônico nisso, porque, depois de virar homem, Aemond não era mais aquele menino inseguro e ingênuo de antes; agora tinha confiança, tinha ego em abundância e havia aprendido a não se importar com o que pensavam dele.

Mas a opinião dela... essa importava, e muito. Porque Aemond temia o que Astraea pensaria ao ver quem ele havia se tornado.

Ele se perguntava se isso permaneceria assim para sempre. Mas haviam coisas piores para se preocupar. Muito piores. Especificamente, uma coisa que vinha rondando sua cabeça desde que voltaram de Harrenhal.

Aquilo que ele viu, algo que nem sabia como colocar em palavras.

A visão de Aemond tremeluziu, e de repente ele não estava mais em Harrenhal. Estava tudo preto, uma escuridão densa que parecia engolir o mundo ao seu redor. E, no entanto, a única coisa que o conectava à realidade era a sensação de algo úmido sob seus pés. Água, gelada e inquietante, como se o chão que ele pisava estivesse prestes a ceder. Tudo preto, tudo vazio, exceto pela sensação fria que subia por suas pernas, insinuando que aquilo era real.

A visão quase o fez cambalear, um tremor atravessando seu corpo. Foi algo tão estranho, tão impossível de compreender, como se ele estivesse vendo o mundo ao contrário. De repente, alguém pareceu emergir de dentro dele, então para fora dele, como se estivesse sendo expulso de seu próprio corpo. Um fantasma sólido, saindo de dentro de sua pele.

Primeiro ele viu o brilho dos cabelos vermelhos, como fogo vivo, e então as vestes, tão rubras que lembravam sangue, ora sólido, ora líquido. E foi impossível não reconhecer aqueles olhos. Azuis. Estranhos. Exóticos.

Merikh.

Mas... não era a Merikh que ele conhecia. Não a que habitava seu presente. Ela parecia muito mais jovem, uma versão dela que não devia ter mais que treze anos.

𝗡𝗜𝗚𝗛𝗧 𝗘𝗠𝗕𝗘𝗥 ☄Aemond Targaryen Onde histórias criam vida. Descubra agora